Refugiados empresários se unem para enfrentar a quarentena: Mais um recomeço
11 de abril de 2020No Brasil, 38% dos refugiados são empreendedores; com a crise da Covid-19, eles adaptam seus negócios culinários usando delivery
Refugiados empreendedores no Brasil adaptam negócios durante quarentena – Foto: Divulgação
"Este momento me lembra muito a época em que chegamos aqui e pensávamos: e agora?", diz a refugiada venezuelana Yilmari Perdomo, de 37 anos. Ao contrário da ideia de que o Brasil só funciona depois do carnaval, os meses de janeiro e fevereiro foram movimentados para sua microempresa culinária. Mas março foi diferente, e com as medidas de isolamento para contenção da Covid-19, os lucros caíram.
Yilmari compara a sensação do refúgio com a da quarentena porque ambas demandam um recomeço.
Assim também acontece com os irmãos Mohamed e Rami Othman, que comemoram dois anos da abertura de seu restaurante, Majaz, neste mês de abril. Palestinos que viviam na Síria, os irmãos chegaram ao Brasil em 2014.
"Estar no iFood era uma ideia antiga, pensávamos em mudar a estrutura, expandir a cozinha, mas não era urgente. Agora, tivemos que correr", diz Arturo Hartmann, colaborador do Majaz, sobre ter de disponibilizar o restaurante no aplicativo durante a quarentena.
Além dos pedidos pelo iFood, o chefe Mohamed decidiu criar um esquema de marmitas para os clientes que moram nos arredores no estabelecimento, no bairro da Santa Cecília, na capital paulista. Elas podem ser encomendadas via Instagram e WhatsApp.
A família de Yilmari também está mudando o modelo de negócios: "Geralmente, eu cozinhava para eventos corporativos, cafés da manhã e festas. Com a pandemia estou adaptando o negócio, fornecendo alimentos congelados e marmitas", diz.
Quem faz as entregas é o marido, Jhan Perdomo, que alugou um carro e está trabalhando como motorista da Uber. Até o começo da quarentena, Jhan era professor de espanhol.
Terapeuta ocupacional na Venezuela, Yilmari e sua família chegaram ao Brasil em 2016. Depois do refúgio, ela fez um curso de manipulação de alimentos pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e outras formações de capacitação. Há três anos, é microempreendedora individual (MEI).
"Mas não tem jeito, a receita cai brutalmente", diz o colaborador do restaurante Majaz. O negócio enfrentará problemas financeiros e tenta sobreviver em meio à crise. Mas, segundo Hartmann, os clientes têm se preocupado e se engajado. As entregas são a única forma de geração de renda para os serviços em quarentena.
Por isso, nas redes sociais internautas têm discutido sobre como incentivar pequenos negócios, como no movimento "Compre do Bairro". Na campanha, presidentes de oito grandes empresas foram apoiados pelo Sebrae para capacitar e informar sobre gestão financeira aos pequenos empresários. O material se encontra no site criado para o incentivo.
No Majaz, a criação das marmitas e entrada no iFood pode manter a fidelidade dos clientes conhecidos e atrair uma clientela nova, já que as pessoas continuam querendo consumir durante o confinamento. "Todos os negócios estão buscando sobreviver o tempo que for necessário", afirma Hartmann.
Foto: Divulgação
Crise humanitária
A mudança de carreira é quase inevitável para os refugiados no Brasil, como mostra a pesquisa Perfil Socioeconômico dos Refugiados, publicada em 2019 pela Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).
O desemprego na chegada, as dificuldades burocráticas para validação de diploma universitário e aprendizado do português são os principais obstáculos.
Segundo o levantamento, 31% dos refugiados trabalham por conta própria e 7% são empregadores. Na avaliação, há um "alto potencial de empreendedorismo" na população refugiada no Brasil.
Sobre como refugiados venezuelanos estão vivendo no Brasil neste momento de pandemia, Sérgio Eduardo Marques da Rocha, economista e porta-voz da ONG Aldeias Infantis, relata que muitos dos 380 atendidos tiveram de mudar os planos.
A ONG, que tem parceria com o Acnur, oferece abrigo em nove unidades pelo Brasil além de inserção profissional.
"Nós tínhamos um fluxo semanal de entrada e de saída de venezuelanos que conseguiam se inserir no mercado de trabalho e ter sua autonomia, o que dava oportunidade que outros viessem para as casas. Com o coronavírus, foi suspensa a vinda de novas famílias para o projeto, impactando também os que estavam programados para sair e os que já saíram – porque a grande maioria é empregada no ramo de serviços, como em shoppings e lanchonetes", diz o porta-voz.
Como resposta à crise, a ONG está fortalecendo os estudos on-line dos refugiados atendidos, mantendo nos abrigos aqueles que tiveram suas contratações suspensas e monitorando os que já saíram do programa.
Além disso, Marques da Rocha relata que por conta da pandemia, refugiados de outras nacionalidades têm pedido auxílio ao Aldeias Infantis, que desde 2018 tem parceria com a agência da ONU para o atendimento exlcusivo de venezuelanos.
Segundo o porta-voz, essas pessoas também são atendidas, já que a ONG tem programas voltados para famílias carentes, independentemente de suas origens.
Durante a pandemia de Covid-19, entidades de apoio humanitário reforçam que refugiados têm os mesmos direitos que cidadãos brasileiros, incluindo o direito à saúde e ao atendimento médico, como mostra a Cartilha da Acnur para Refugiados.
Valedoitaúnas/Informações iG