Quase escravidão: idosa é resgatada na casa de executiva da Avon
26 de junho de 2020Empregada doméstica de 61 anos estava morando no depósito no quintal da casa, sem acesso ao banheiro; Caso ocorreu em bairro nobre de São Paulo
Quartinho em que a idosa de 61 dormia tinha com uma cama improvisada no sofá – Foto: Reprodução/MPT-SP
Uma idosa de 61 anos foi resgatada, nesta sexta-feira (26), de uma casa localizada no Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, por estar vivendo em uma situação de trabalho escravo contemporâneo e abandono no imóvel após os patrões se mudarem do local.
O Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT), o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo e a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) cumpriram um Mandado de Busca e Apreensão Domiciliar na casa de Mariah Corazza Üstündag, 29 anos, que chegou a ser presa em flagrante na quinta-feira (18), mas foi solta após pagar uma fiança no valor de R$ 2100. Seu marido, Dora Üstündag, 36 anos, foi indiciado pela Polícia Civil.
Mariah Üstündag é executiva da gigante empresa de cosméticos, Avon. Além disso, é filha da cosmetóloga Sônia Corazza, famosa consultora na indústria de produtos de beleza que também doi indiciada por omissão de socorro, abandono de incapaz e por redução a condição análoga à de escravo.
Entenda o caso
De acordo com depoimentos obtidos na investigação do MPT, a empregada doméstica havia sido contratada em 1998, por Sônia Corazza, sem registro em carteira, férias ou 13º. Nos primeiros anos, a idosa não morava no emprego. Em 2011, a casa em que morava havia sido interditada. Com isso, a patroa ofereceu para que a diarista fosse morar na casa de sua mãe, ficando por lá durante cinco anos.
No mesmo ano, Sônia foi para outra cidade da Grande SP mas manteve a diarista na casa do Alto de Pinheiros, servindo uma das filhas que continuou no imóvel. A partir daí, a empregada doméstica começou a não receber seu salário regularmente, apesar de continuar realizando todos os serviços (exceto cozinhar).
Aproximadamente dois anos depois, essa filha da patroa foi morar em outro país, mas sua irmã, Mariah Üstündag e seu então namorado e atual marido, Dora Üstündag, mudaram-se para o imóvel no Alto de Pinheiros, tornando-se responsáveis pela empregada doméstica, que passou a morar no depósito no quintal onde foi encontrada.
Após o decreto da pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2), os patrões não permitiram sua entrada na casa, trancando o quintal e o banheiro e, dessa forma, impedindo que a idosa de 61 anos pudesse realizar suas necessidades sanitárias. Para tomar banho, a empregada doméstica utilizava um balde e caneca.
De acordo com o MPT, "em maio a doméstica sofreu um grave acidente de trabalho e não foi socorrida, tendo passado uma semana com dores e hematomas, sem receber alimento ou cuidados".
No dia 16 de junho, os patrões se mudaram para Cotia sem informar a idosa, que foi abandonada no quintal. No dia 18, uma equipe da Polícia Civil entrou na casa enquanto outra equipe foi até o endereço dos patrões em Cotia. Ainda segundo o MPT, o endereço dos patrões foi "localizado via sistemas da polícia, já que nem um número de telefone, nem um endereço fora deixado com a empregada doméstica".
Segundo o MPT, "em seu depoimento, a moradora confirmou que a doméstica dormia, desde o ano de 2017, no cômodo destinado a depósito, dizendo que não tinha conhecimento de como ela fazia para o usar o banheiro para necessidades e banho. Ademais, negou a existência de relação de emprego".
A juíza que conduz o caso acolheu os pedidos de bloqueio de bens e de expedição do alvará para o pagamento do seguro-desemprego. De acordo com a procuradora do MPT, Alline Pedrosa Oishi Delena, o bloqueio de bens se faz necessário pelo fato da doméstica ser credora de verbas trabalhistas de sua rescisão indireta, além de verbas não pagas no contrato de trabalho e danos matérias e morais. "Em um cálculo inicial, esse valor pode chegar a mais de R$ 500 mil", afirmou.
Posicionamento da Avon
Em nota ao portal iG, a Avon afirmou: “Com grande pesar, a Avon tomou conhecimento de denúncias de violações dos direitos humanos por um de seus colaboradores. Diante dos fatos noticiados, reforçamos nosso compromisso irrestrito com a defesa dos direitos humanos, a transparência e a ética, valores que permeiam nossa história há mais de 130 anos. Informamos que a funcionária não integra mais o quadro de colaboradores da companhia. A Avon está se mobilizando para prestar o acolhimento à vítima”.
Valedoitaúnas/Informações iG