Preço dos alimentos sobe três vezes mais do que inflação em um ano
13 de julho de 2020Mais pobres são os mais afetados pelo aumento dos preços, e sociólogo aponta relação direta entre subnutrição e fome com os custos da comida
Carnes subiram quase 20% em um ano no país – Foto: Julia Chequer/Folhapress
A inflação oficial, medida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), apresenta estabilidade em 2020.
Porém, ao se considerar apenas a alimentação, o impacto dos preços foi relevante nos últimos 12 meses.
Os custos com alimentação subiram três vezes mais do que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no intervalo de um ano, segundo dados do próprio instituto.
Enquanto o índice acumulado em 12 meses atingiu 2,13%, o grupo alimentação marcou 7,61% no mesmo período. Ou seja, três vezes mais do que o índice oficial de inflação do país. As carnes, por exemplo, estão 19,6% mais caras em relação a junho do ano passado.
A diferença é muito grave porque esta inflação afeta diretamente a população de baixa renda, explica o economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV), André Braz.
Para o economista, o resultado mostra o quanto a alimentação pressiona o custo de vida dos brasileiros.
“Como a distribuição de renda é muito ruim, é na alimentação que o pobre sente a inflação. Ele esgota o dinheiro comprando alimentos e foi o que mais subiu nos últimos meses”, explica André Braz, do Ibre/FGV
Braz ainda destaca que, para a família de baixa renda, “pouco importa se a gasolina ficou cara ou barata, se o preço da passagem aérea caiu, se as escolas vão dar um desconto porque são itens que não estão na cesta de consumo deles”.
Em junho, o grupo de alimentação e bebidas registrou alta nos seguintes alimentos:
• Arroz (2,74%);
• Carnes (1,19%);
• Feijão-carioca (4,96%);
• Feijão-mulatinho (7,1%)
• Feijão-preto (6,75%); e
• Leite longa vida (2,33%);
• Queijo (2,48%).
No acumulado do ano – de janeiro a junho – os dez alimentos que mais registraram elevação nos preços foram:
• Abobrinha (46,28%);
• açaí (24,68%).
• Alho (38,5%);
• Batata-doce (28,56%);
• Batata-inglesa (66,47%);
• Cebola (94,72%);
• Cenoura (52,73%);
• Coentro (25,66%); e
• Feijão-carioca (26,62%);
• Feijão-fradinho (28,1%);
• Feijão-mulatinho (33,45%);
• feijão-preto (27,92%);
• Manga (67,12%);
• Morango (42,71%);
• Peixe-tainha (40,81%);
Mais pobres pagam o preço da pandemia
A professora de economia do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Juliana Inhasz, confirma a tese do economista do Ibre/FGV e diz acreditar que o aumento considerável no preço da comida afeta diretamente o bem-estar dos mais pobres.
“A maior parte dessa população trabalha na informalidade ou como autônomo e depende da renda do seu serviço diário para sustentar a família”, explica. Por já viverem com pouco, qualquer aumento no preço dos alimentos faz toda a diferença para eles, completa.
“A população não tem outra alternativa a não ser comprar menos comida ou alimentos de baixa qualidade e valor nutricional”, disse Juliana Inhasz, do Insper
Como reflexo desse movimento, a população adoece mais e tem problemas de saúde diretamente ligados à alimentação: colesterol, obesidade e problemas cardiovasculares, ressalta a professora.
Para Juliana, os mais pobres estão sendo os mais afetados pela pandemia do coronavírus.
“As pessoas de classe média e alta deixaram de gastar com vestuário, lazer, mas mantiveram a alimentação. Os mais pobres reduziram a comida”, diz. A professora sustenta que o “preço da pandemia vem sendo pago pela população mais pobre”.
“Ela adoece mais porque não pode fazer o isolamento social, porque precisa usar o transporte público, não está se alimentando bem e não tem plano de saúde. Ela sofre mais com a desigualdade social”, acrescenta.
Alta dos alimentos eleva a fome no Brasil
Para o sociólogo especialista em consumo Fabio Mariano, o impacto da elevação dos preços dos alimentos é extremamente significativo para as classes populares chamadas de baixa renda (C-, D e E).
“A alta no preço dos alimentos está diretamente ligada à falta de acesso aos alimentos, ao aumento de subnutrição e da fome no país”, Fabio Mariano, sociólogo especialista em consumo.
Mariano afirma que nesses grupos há a concentração de um número considerável de pessoas que trabalha exclusivamente para conseguir colocar comida dentro de casa.
“É um movimento muito comum. A gente tem uma ocorrência contínua, frequente e majoritária de pessoas nessas classes que contam apenas com uma renda diária, ou seja, ela trabalha, recebe no dia e só tem aquela fonte de renda para garantir a alimentação da família”, diz.
Por isso é comum, segundo Mariano, ouvirmos de profissionais que são enquadrados nessas classes – trabalhador que atua com entrega diária, em oficina mecânica, vendedor de porta a porta, entre outros –, a frase: “hoje eu já garanti o nosso jantar, ou já garanti o café de amanhã”.
“Não tem como a renda dele aumentar. Não tem margem de negociação, abertura, não tem a menor possibilidade disso", finaliza.
Então, se o preço do alimento aumentou, mas sua renda não, Mariano ressalta que ele terá de trabalhar mais. "O problema é que essas pessoas já têm uma carga horária elevada e atuam no seu limite”.
Valedoitaúnas/Informações R7