Por que falta gasolina na Venezuela, país com a maior reserva de petróleo do mundo?
27 de abril de 2020Indústria necessita de importação de químicos e peças de reposição produzidos pelos Estados Unidos
Filas nos postos de gasolina eram comuns em estados fronteiriços, por conta do contrabando, mas agora tomaram a capital Caracas – Foto: Tal Cual
Durante as últimas semanas circularam pela mídia tradicional e redes sociais vários vídeos com filas quilométricas nos postos de gasolina na Venezuela. As imagens revelam a crise de abastecimento de combustível que toma conta do país desde o início de abril. À primeira vista, a situação choca com o fato de que o país tem a maior reserva de petróleo do mundo, certificada em 302,8 bilhões de barris.
Um ponto-chave para entender a situação é saber que o petróleo produzindo na faixa do rio Orinoco é do tipo extra pesado, depende de uma série de um longo processo para extrair gasolina e esse refino tem como base químicos importados, entre eles Alquilato, Buteno, Butano, Nafta, Éter e Etanol.
Toda a estrutura da indústria petroleira, construída há décadas - já que o país centra sua atividade econômica no mercado petrolífero há mais de um século - é totalmente dependente da tecnologia estadunidense. Portanto, o bloqueio econômico é um empecilho para a economia nacional.
"Principalmente no estado do Texas, é ali onde está toda a mercadoria de peças, equipamentos e insumos essenciais para o processo de refino na Venezuela e o bloqueio, que já existia desde 2017, vem minguando a capacidade da Venezuela de potencializar suas refinarias em solo venezuelano. Essas refinarias só estão funcionando, porque foram feitos reparos e foram desenvolvidos alguns equipamentos básicos essenciais para manter a atividade", garante Franco Vielma, analista especializado em petróleo.
No estado de Miranda, onde está localizado o Distrito Capital e a cidade de Caracas, o governo local determinou um rodízio de veículos para fazer as filas no posto de gasolina. Os carros de serviços essenciais tem prioridade na hora de abastecer.
O analista venezuelano também acredita que as restrições para ter acesso à gasolina fazem parte do controle do Executivo para impedir a circulação durante a pandemia.
Ainda que Venezuela tenha os maiores poços de petróleo certificado, o país sofre com o deterioramento de várias refinarias. Entre 2012 e 2018, houve uma contração de 44,5% da atividade petroleira, que representa 10% do PIB nacional e 90% das exportações anuais. Em 2019 houve uma leve recuperação da indústria, aumentando em 230 mil barris a produção diária.
Também, no dia 14 de abril, foi anunciada a reativação da refinaria de El Palito, no estado de Carabobo. Com uma capacidade de refinar de 35 a 80 mil barris de petróleo por dia e abastecer cerca de dez estados na região central do país.
A reabertura da unidade petroleira foi feita com a adaptação de estruturas e troca de peças, reutilizando partes de outras refinarias desligadas no território nacional. Outra plataforma, na cidade de Puerto La Cruz, capital do estado de Carabobo também está sendo remodelada.
Vielma destaca que essas refinarias construídas no país são voltadas ao refino de petróleo do tipo leve, que se extraía principalmente ao norte do Lago de Maracaibo, estado Zulia. No entanto, atualmente a maior parte dos 760 mil barris diários são extraídos da Faixa do Rio Orinco, que produz um óleo do tipo extra pesado.
O petróleo começou a ser extraído da faixa do Rio Orinoco a partir de 2007 – Imagem/PDVSA
"A Venezuela deve encontrar um mecanismo eficaz para poder trasladar os processos de refino de cru extra-pesado para gasolina para abastecer o mercado interno. É a forma em que a médio prazo, a Venezuela poderia recuperar a auto suficiência no abastecimento de combustível", afirma.
Um cenário ainda mais difícil numa conjuntura de crise mundial do mercado petroleiro. Atualmente a indústria venezuelana de petróleo já opera em desfalque. Os custos para extrair e armazenar um barril geram em torno de US$ 20, enquanto o preço de venda não ultrapassa os US$ 14 e, ainda, na última semana, chegou a estar negativo.
A crise de superprodução que já se arrastava desde 2014, agora associada à crise gerada pela pandemia, deve durar ainda mais um ano e meio, segundo previsão do analista Franco Vielma, desestabilizando os preços do combustível em todo o planeta.
No entanto, para Vielma essa pode ser uma possibilidade para que o país reinvente a base da sua economia. "As condições da produção de petróleo na Venezuela dependem de fatores externos que são impossíveis de se prever nesse momento. Portanto, é indispensável decretar desde que agora estamos iniciando o fim de uma era. Estamos fechando o ciclo rentista petroleiro como conhecíamos e nos aproximamos de outro momento que, pela inércia imposta pelo bloqueio e pela crise econômica mundial, podemos mudar o destino da indústria energética do país", finaliza.
Valedoitaúnas/Informações Brasil de Fato