Polícia haitiana prende 'supostos assassinos' do presidente do Haiti
08 de julho de 2021Menos de 24 horas depois do assassinato de Jovenel Moïse, polícia anuncia prisão de suspeitos
Policiais perto da residência oficial da Presidência do Haiti após Jovenel Moïse ser assassinado a tiros em Porto Príncipe – Foto: Stringer?Reuters
Autoridades do Haiti anunciaram a prisão dos "supostos assassinos" do presidente do Haiti, Jovenel Moïse, morto a tiros na madrugada desta quarta-feira (7) na residência oficial em Porto Príncipe.
"Os supostos assassinos (de Moïse) foram interceptados pela Polícia Nacional em Pelerin pouco depois das 18h" locais (19h de Brasília), tuitou o vice-ministro das Comunicações, Frantz Exantus, acrescentando que mais detalhes serão fornecidos em breve.
Cerca de uma hora depois do anúncio, um porta-voz da polícia haitiana falou que forças de segurança mataram "quatro mercenários" e capturaram dois. Sem dar detalhes, ele disse que os responsáveis por assassinar Moïse estavam "cercados"; acrescentou, no entanto, que eles teriam capturado três policiais como reféns.
Na madrugada de quarta-feira (7), um grupo de homens armados invadiu a residência oficial no bairro de Pelerin 5, em Porto Príncipe, atirando no presidente, e agravando uma crise política que se prolonga há meses no país caribenho.
A primeira-dama, Martine Moïse, também foi baleada e levada para receber os primeiros socorros em um hospital da região. Ela foi em seguida transferida para tratamento em Miami, onde chegou na tarde desta quarta-feira (7), e segundo o embaixador haitiano nos Estados Unidos, Bocchit Edmond, seu estado é crítico, mas estável.
Os assassinos, segundo o jornal Miami Herald, que teve acesso a vídeos filmados na vizinhança da residência oficial, se passaram por agentes da agência antidrogas dos Estados Unidos, a DEA. Na gravação, é possível ouvir um homem com sotaque americano gritando em um megafone: "Operação da DEA. Todos se afastem". Fontes no governo haitiano disseram ao veículo que se tratavam de mercenários sem vínculos com o órgão americano.
Mais cedo, o jornal Diário Libre, da República Dominicana, noticiou que autoridades do país — que divide a mesma ilha com o Haiti – investigavam se os assassinos tinham fugido para o seu território. Segundo a tese das autoridades dominicanas, os assassinos podem ter agido em cumplicidade com um importante delegado que trabalhava na segurança presidencial, informou o Diário Libre.
Também há relatos de que drones teriam sido usados, ao menos uma granada teria sido disparada, e homens vestidos de preto teriam sido vistos correndo pela região. Segundo uma fonte ouvida pelo GLOBO, as ruas de Porto Príncipe ficaram praticamente vazias ao longo da quarta-feira, contrastando com sua vivacidade habitual, e a estrada que leva para o bairro de Pelerin foi bloqueada. O aeroporto da cidade foi fechado, funcionando apenas para voos diplomáticos.
Jovenel Moïse, presidente do Haiti, foi assassinado na madrugada de quarta-feira (7) – Foto: Divulgação/Agência Brasil
A morte de Moïse, de 53 anos, cria um vácuo de poder no país mais pobre das Américas: Claude Joseph, nomeado como premier interino em abril, nunca foi ratificado e, no início da semana, o presidente havia nomeado Ariel Henry para sucedê-lo – seu sétimo primeiro-ministro em quatro anos. O médico, no entanto, seria empossado apenas no fim desta semana.
Pela Constituição haitiana de 1987, caso o presidente fique impossibilitado de exercer suas funções, cabe ao presidente da Suprema Corte governar o país. O cargo, contudo, está vazio desde que seu antigo ocupante, René Sylvestre, morreu de Covid-19 no fim de junho.
Apesar da incerteza sobre a ordem sucessória, Joseph disse que assumiu as rédeas e declarou estado de sítio de duas semanas após uma reunião extraordinária do seu ministério. Ele pediu calma à população após o ato "desumano e bárbaro", afirmando que a polícia e o Exército já têm o controle da situação – segundo a Reuters, foi possível ouvir tiros por toda a capital após o ataque.
O primeiro-ministro Claude Joseph disse que o estado de sítio foi decido em reunião extraordinária do conselho de ministros. Mais cedo, em comunicado, havia sido anunciado o assassinato do presidente Juvenal Moïse – Foto: reprodução
Crise política
Desde o fim do ano passado, a oposição vinha exigindo a renúncia de Moïse, um empresário exportador de bananas que entrou na política. Segundo os críticos, seu mandato deveria ter terminado em 7 de fevereiro, exatos cinco anos após seu antecessor, Michel Martelly, deixar o cargo.
As eleições de 2015 deram a vitória a Moïse no primeiro turno, mas o voto foi anulado por denúncias de fraude. Após vencer um segundo pleito organizado no ano seguinte, Moïse tomou finalmente posse em 7 de fevereiro de 2017 – a seu ver, portanto, seu mandato só terminaria em fevereiro de 2022. Ele se recusou a deixar o poder, convocando novas eleições para 26 de setembro deste ano.
Junto com as eleições marcadas para daqui a dois meses, o presidente havia convocado um controverso referendo constitucional, com o objetivo de aprovar a elaboração de uma nova Constituição – a minuta do novo texto foi redigida por uma comissão especial nomeada pelo próprio presidente, sem a participação de nenhum setor importante da sociedade haitiana.
Em fevereiro, as autoridades anunciaram ter frustrado uma "tentativa de golpe". Na época, 23 pessoas foram presas, entre eles um juiz da Suprema Corte e a inspetora geral da Polícia Nacional. A oposição negou qualquer intenção golpista, afirmando que pleiteava apenas um governo de transição.
Histórico de instabilidade
Mais recentemente, a violência no país atingiu "níveis sem precedentes", segundo a ONU. Na semana passada, em um ataque coordenado, pelo menos 20 pessoas, entre elas importantes figuras da oposição, foram mortas em Porto Príncipe. Agravando ainda mais a situação, o país não vacinou até agora nenhum de seus 11,26 milhões de habitantes contra a Covid-19.
Um relatório do Fundo da ONU para a Infância (Unicef) publicado há duas semanas estima que existam hoje 95 gangues armadas que controlam grandes territórios da capital, ou cerca de um terço de Porto Príncipe. Opositores do governo acusavam Moïse de se aproveitar das gangues para permanecer no poder.
O presidente americano, Joe Biden, chamou o episódio de um "crime hediondo" e disse que os EUA, a potência mais influente no país, continuarão a trabalhar por um Haiti "mais seguro". À tarde, o Departamento de Estado concedeu uma entrevista coletiva na qual prometeu ajuda ao Haiti. A vizinha República Dominicana, por sua vez, anunciou o fechamento imediato das fronteiras com o Haiti e convocou uma reunião de suas lideranças militares.
O Haiti tem um histórico de turbulência e violência política, além de intervenções estrangeiras – os EUA ocuparam o país de 1915 a 1943. Depois de quase 30 anos da ditadura da dinastia Duvalier, entre 1957 e 1986, o país elegeu o ex-padre católico Jean-Bertrand Aristide, deposto dois anos depois em um golpe militar. Reeleito em 1994 e 2001, Aristide acabou fugindo do país em 2004, em meio a confrontos entre seus apoiadores e ex-militares do Exército que havia sido desmantelado após o fim da ditadura, junto com a força paramilitar dos Duvalier, conhecida como Tonton Macoute.
A fuga deu início à intervenção dos capacetes azuis da ONU, sob comando de forças brasileiras. A força de paz permaneceu no país até 2017, sem conseguir legar uma situação estável, cenário que foi agravado pelo terremoto de 2010, quando mais de 100 mil pessoas morreram.
Valedoitaúnas (O Globo)