Pesquisadora é reconhecida pelo Prêmio Para Mulheres na Ciência por inovar no estudo da polinização com DNA ambiental
10 de dezembro de 2025Juliana Hipólito vence na categoria Ciências da Vida da premiação realizada pelo Grupo L’Oréal no Brasil, UNESCO e Academia Brasileira de Ciências, destacando a importância dos polinizadores para a conservação, a biodiversidade e a segurança alimentar
Foto: Divulgação
A relação entre plantas e polinizadores sustenta a vida na Terra. Mas, apesar de serem essenciais para 90% das plantas com flores e para 75% das culturas agrícolas, esses animais ainda são pouco compreendidos, especialmente em ecossistemas pressionados pela ação humana. É esse universo invisível que move a pesquisa de Juliana Hipólito, vencedora na categoria Ciências da Vida do programa Para Mulheres na Ciência, realizado pelo Grupo L’Oréal no Brasil, UNESCO e Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Bióloga e professora do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA) no Espírito Santo, Juliana desenvolve um projeto inovador que utiliza DNA ambiental, material genético deixado por organismos no ambiente em forma de células, secreções, tecidos ou resíduos, para desvendar interações ecológicas que escapam aos métodos tradicionais de observação. O estudo será aplicado em diferentes áreas da Bacia do Rio Doce, incluindo regiões degradadas e em restauração, onde as redes de polinização ainda carregam cicatrizes do rompimento da barragem de Fundão e de outros impactos históricos.
A abordagem permite identificar espécies que estiveram presentes mesmo sem tê-las visto. Assim, Juliana busca revelar relações sutis e complexas entre plantas, abelhas, borboletas e outros polinizadores. “A gente costuma olhar para insetos só como pragas, mas eles prestam um serviço imenso para nós. A polinização tem um valor ambiental e econômico enorme e precisamos conservar esses animais”, ressalta. No Brasil, estima-se que apenas quatro culturas agrícolas, café, maçã, soja e laranja, movimentam sozinhas cerca de R$43 bilhões anuais graças aos polinizadores.
Ao integrar ferramentas de biologia molecular com ecologia e conservação, a pesquisa abre caminho para diagnósticos mais precisos, instrumentos inéditos de monitoramento e políticas públicas mais eficientes. A expectativa é que os resultados ajudem a orientar estratégias de recuperação ambiental na Mata Atlântica e fortaleçam a proteção das espécies responsáveis por manter florestas, paisagens e sistemas agrícolas funcionando.
A vocação científica de Juliana nasceu cedo, ainda na infância, quando programas sobre animais e meio ambiente despertaram sua curiosidade. Depois de ingressar na biologia, encontrou na botânica e, mais tarde, nos estudos sobre abelhas, uma combinação apaixonante entre pesquisa, natureza e sentido de propósito. Foi assim que a polinização se tornou o eixo central de sua trajetória acadêmica.
Mas o caminho foi marcado também por desafios, muitos deles atravessados pelo fato de ser mulher na ciência. Juliana relata já ter ouvido comentários comparativos e deslegitimizadores sobre seu trabalho, além de expectativas sociais que recaem especialmente sobre mães cientistas. A maternidade, vivida no final do doutorado, trouxe um período de incertezas, dificuldades e renúncias, intensificado pela saúde frágil do filho recém-nascido. Entre idas à UTI, cobranças internas e oportunidades perdidas, quase desistiu. Mas seguiu e, mais tarde, conquistou a estabilidade tão sonhada com a aprovação em concurso.
Sua jornada também foi moldada por redes de apoio e referências femininas, como sua orientadora, que se tornou modelo de liderança e de resistência. Hoje, Juliana retribui esse legado ao inspirar novas pesquisadoras, defender igualdade de oportunidades e integrar grupos que estudam a participação das mulheres na ciência. “Precisamos de modelos femininos. Os dados mostram que existe uma desistência no meio do caminho. É fundamental quebrar esses paradigmas”, afirma.
Receber o prêmio Para Mulheres na Ciência, ela diz, foi como um respiro após muitos anos de rejeições, editais não aprovados e incertezas. “A gente escuta tantos nãos. Ser reconhecida em um prêmio tão concorrido ajuda a enxergar que estou no caminho certo.”
Para além da trajetória pessoal, Juliana celebra o impacto coletivo que a premiação pode gerar: dar visibilidade ao trabalho desenvolvido no Instituto Nacional da Mata Atlântica, fortalecer pesquisas sobre polinizadores e ampliar o debate nacional sobre a conservação desses organismos que sustentam a biodiversidade e a segurança alimentar.
Sua meta é ambiciosa e urgente: incluir os polinizadores no centro das agendas ambientais e de políticas públicas. E fazer com que a ciência, sensível, rigorosa e transformadora, continue guiando caminhos para restaurar e proteger a vida em uma das florestas mais ameaçadas do planeta.