Pesca ilegal na Coreia do Norte pode explicar 'barcos fantasmas' no Japão
09 de agosto de 2020ONG descobriu razão de tantas embarcações norte-coreanas naufragarem, indo parar com cadáveres ou moribundos na costa japonesa
Dezenas de barcos de pesca chineses abrigados no porto sul-coreano de Ulleung – Foto: Global Fishing Watch/Divulgação
Durante anos, o surgimento de barcos de pesca da Coreia do Norte em praias do litoral do Japão, com pescadores moribundos ou até mortos, foi um mistério. Ninguém sabia ao certo porque aquelas embarcações de pequeno porte apareciam tão longe de seus portos de origem. Até agora.
Uma investigação publicada no último dia 22 pela ONG GFW (Global Fishing Watch), que monitora a atividade da pesca em águas internacionais, traz uma explicação. Uma imensa frota de embarcações chinesas, com centenas de veículos, foi flagrada pescando em águas territoriais da Coreia do Norte, algo que é proibido.
Segundo o relatório da GFW, somente em 2017 mais de 900 barcos pesqueiros da China foram detectados na área. Em 2018, foram outros 700. A estimativa é que eles tenham pescado mais de 200 mil toneladas de peixes, crustáceos e moluscos, o que renderia cerca de US$ 500 milhões (mais de R$ 2,5 bilhões).
Com uma concorrência desse porte, os pescadores norte-coreanos são forçados a desenvolver sua atividade milhas e milhas ao norte, já em águas territoriais da Rússia. O monitoramento detectou mais de 3 mil apenas em 2018. Sem embarcações adequadas ou recursos, dezenas de pescadores morreram no mar ou foram parar no Japão.
Atividade proibida pela ONU
A pesca em águas norte-coreanas e o comércio internacional de pescados dessas áreas são ilegais por uma decisão do Conselho de Segurança da ONU, tomada em 2017 para punir o governo de Pyongyang por sua recusa em encerrar seu programa nuclear e seus testes.
Barcos de arrasto chineses em águas norte-coreanas – Foto: Global Fishing Watch / Divulgação
Até então, a pesca internacional rendia por volta de US$ 300 milhões (cerca de R$ 1,5 bilhão) anuais para o regime de Kim Jong-un. Um relatório da ONU, publicado em março deste ano, afirma que a Coreia do Norte teria recebido clandestinamente US$ 120 milhões (cerca de R$ 620 mi) para permitir a entrada dos barcos chineses.
Segundo Jaeyoon Park, um dos cientistas de dados responsáveis pelo estudo da Global Fishing Watch, o número de embarcações da China observado na zona proibida da Coreia do Norte equivale a um terço da frota de pesca chinesa.
"É o maior caso conhecido de pescaria ilegal cometida por embarcações originárias de um país operando em águas de outra nação", explica Park.
Arte R7/Fonte: Global Fishing Watch
O monitoramento da GFW foi feito combinando quatro tipos de dados obtidos por satélites que sobrevoam a região: fotos em alta resolução tiradas durante o dia, sinais de localização por satélite tipo GPS, imagens obtidas por radar e fotos noturnas que mostram a iluminação dos barcos, já que muitos fazem pesca noturna.
Com isso, eles puderam constatar o tamanho da "frota fantasma" de pesca da China. Não foi possível usar apenas o monitoramento por GPS porque o equipamento dentro dos barcos pode ser desligado a qualquer momento pelos tripulantes e muitas embarcações jamais o ligam, especialmente quando envolvidas em atividades clandestinas.
Pesca estratégica
As águas norte-coreanas têm um valor estratégico por ainda serem ricas em uma espécie de lula chamada lula do Pacífico, importante para as culinárias japonesa, chinesa e coreana e cuja população tem caído em outras áreas pesqueiras da região.
Pesqueiro norte-coreano flagrado em águas russas – Foto: Global Fishing Watch / Divulgação
Segundo a Global Fishing Watch, a queda da população de lulas desde 2003 foi de 80% nas águas territoriais da Coreia do Sul e de 82% nas águas do Japão. Por isso, a área da Coreia do Norte é centro de tantas disputas.
"Enquanto pescadores e suas famílias viram suas rendas despencarem nos últimos anos, estudiosos buscam entender a queda desse declínio. Para muitos, a pesca predatória seria a responsável, mas outros acreditam que mudanças climáticas podem influenciar, já que alterações na temperatura da água afetam padrões de migração e reprodução. Tudo forma um quadro triste e muito familiar", escreveu Jaeyoon Park no relatório da GFW.
Valedoitaúnas/Informações R7