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Padre celebridade desviava doações de fiéis para compra de casas para parentes, diz MP

12 de dezembro de 2020

Pároco é acusado de utilizar parte dos donativos à Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe) para fins pessoais; imóveis custaram, ao todo, R$ 4,08 milhões

Padre celebridade desviava doações de fiéis para compra de casas para parentes, diz MPPadre Robson ficou famoso por suas celebrações na TV e como líder da Basília do Pai Eterno, em Trindade (GO) – Foto: Reprodução

Dinheiro doado por fiéis católicos para a construção da nova Basílica do Divino Pai Eterno, no município de Trindade, em Goiás, foi utilizado na compra de três casas onde moraram os pais e os irmãos do padre Robson de Oliveira Pereira, de 46 anos. A acusação consta na denúncia feita pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP) e recebida pela Justiça goiana na última quinta-feira (10).

O pároco é acusado de desviar e utilizar para fins pessoais parte dos donativos destinados à Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), entidade criada para atividades de evangelização, sobretudo a construção de uma nova basílica. Ele e seus familiares tornaram-se réus mas negam as acusações.

Padre celebridade desviava doações de fiéis para compra de casas para parentes, diz MPTerreno do condomínio conta com três lagos – Foto: Reprodução

Os imóveis custaram, ao todo, R$ 4,08 milhões, de acordo com o MP. As casas ficam no Condomínio do Lago, um empreendimento de alto padrão que possui três lagos com pista de caminhada, cinco playgrounds, salões de festa e de jogos, quatro campos de futebol society, academia, além de quadras poliesportiva, de tênis, de squash e de peteca.

O condomínio fica entre Goiânia e Trindade, nas margens da Rodovia dos Romeiros, uma autoestrada de 17 km que possui 14 painéis representando a Via Sacra. A entrada principal fica em frente ao primeiro desses painéis, visitados por cerca de 3 milhões de católicos que participam da procissão do Divino Pai Eterno, realizada nos meses de junho. A festa religiosa é o principal evento organizado pela Afipe.

Os promotores sustentam que as casas foram adquiridas com dinheiro desviado das doações feitas por católicos para a Afipe. Segundo a denúncia, o desvio ocorreu por meio da GC Construtora e Incorporadora.

Padre celebridade desviava doações de fiéis para compra de casas para parentes, diz MPPadre Robson de Oliveira Pereira era investigado por crimes como lavagem de dinheiro e associação criminosa - Foto: Divulgação Afipe

Em 23 de outubro de 2015, a empresa que pertence aos irmãos Onivaldo, Bráulio e Gleysson Cabriny recebeu R$ 7,5 milhões da Afipe. A transferência seria para a compra de duas fazendas em nome da GC localizadas no Tocantins. Mas os promotores observaram que o negócio relativo às propriedades rurais nunca foi efetivado formalmente.
Quatro dias após receber o valor milionário, a GC Construtora transferiu R$ 1,13 milhão para uma “laranja” no esquema. Os três irmãos Cabriny também foram denunciados pelo MP. Gleysson é vice-prefeito de Trindade.

De acordo com os promotores, a laranja era Ana Verônica Mendoza Martins. Ela teria utilizado o dinheiro para comprar uma casa no Condomínio do Lago que custou o mesmo valor que recebeu em sua conta. De acordo com o MP, essa residência foi utilizada por José Celso Pereira, de 82 anos, e Elice de Oliveira Pereira, de 76, pais do padre Robson.

“A Afipe comprou uma fazenda por mais de R$ 7 milhões, mas ela tinha sido adquirida anteriormente por R$ 3 milhões, que era o valor real dela. Com essa diferença, eles transferiram o dinheiro para os laranjas comprarem as casas onde os parentes do padre moraram”, afirmou o promotor Sandro Halfeld, do MP de Goiás.

Padre celebridade desviava doações de fiéis para compra de casas para parentes, diz MPEntrada principal do Condomínio do Lago, em frente a painel da Via Sacra – Foto: Reprodução

Os laranjas utilizados nas compras das casas foram Ana Verônica e Rodrigo Luiz Mendoza Martins Araújo, diz a denúncia. Apesar de terem recebido valores milionários em suas contas, os dois nunca tiveram qualquer contato com a GC Construtora. Halfeld explica que a titularidade dos imóveis já foi transferida, mas Ana Verônica e Rodrigo não receberam valor algum pela venda das casas.

“Alguns desses imóveis depois foram passados até mesmo para o nome da Afipe, mas isso não desfaz a trama feita durante todo esse caminho. Não se sabe se hoje algum dos parentes do padre ainda mora lá, mas eles já moraram”, disse o promotor.

Padre celebridade desviava doações de fiéis para compra de casas para parentes, diz MPEmpreendimento de alto padrão fica entre Goiás e Trindade – Foto: Reprodução

Irmãs
O MP acusou duas irmãs do padre Robson de terem se beneficiado do desvio de dinheiro dos fiéis. Conforme a denúncia, Adrianne de Oliveira Pereira, de 47 anos, e Jocelice de Oliveira Pereira Carvalho, de 50 anos, também moraram em casas compradas com o dinheiro transferido da Afipe para a GC Construtora.

A casa de Adrianne custou R$ 1,26 milhão e fica na Rua Lago 4, no condomínio. De acordo com o MP, esse valor transferido pela GC Construtora para a conta de Rodrigo Mendoza. O laranja pagou o imóvel em duas parcelas: uma de R$ 700 mil, no dia 27 de outubro de 2015, e outra no valor de R$ 564 mil, em 6 de junho do ano seguinte.

Padre celebridade desviava doações de fiéis para compra de casas para parentes, diz MPPainel da Via Sacra na Rodovia dos Romeiros em frente a entrada do condomínio – Foto: Reprodução

Irmã mais velha do padre Robson, Jocelice também tornou-se ré por ter morado em uma casa no mesmo condomínio. O dinheiro usado na compra do imóvel teve a mesma procedência dos recursos empregados nas aquisições das residências dos pais e de Adrianne.

Segundo o MP, o laranja neste caso foi o advogado da Afipe, Anderson Reiner Fernandes. Três dias após receber os valores em conta, a GC transferiu R$ 700 mil para Reiner. O montante foi utilizado para comprar a casa onde viveu Jocelice, apontam as investigações. Em 28 de outubro de 2015, Anderson Reiner pagou os outros R$ 700 mil para quitar a casa, també com recursos provenientes da transação com a construtora.


CNPJs

A Associação Filhos do Pai Eterno foi criada em 2004, mas nos anos de 2008 e 2009 outras duas entidades foram constituídas pelo padre Robson com o mesmo nome fantasia. Tratam-se da Associação Pai Eterno e Perpétuo Socorro e da Associação Filhos do Pai Eterno e Perpétuo Socorro.

As associações mais novas têm o mesmo nome fantasia, Afipe, mas CNPJs diferentes. De acordo com o MP, os recursos utilizados na compra das casas saiu de contas que pertencem a duas Afipes criadas posteriormente.

No recebimento da denúncia, a juíza Placidina Pires, da Vara dos Feitos Relativos a Delitos Praticados por Organização Criminosa e de Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores, destaca que a denúncia trata a criação dessas outras Afipes como uma manobra para ocultar patrimônio.

Padre celebridade desviava doações de fiéis para compra de casas para parentes, diz MPPadre Robson abençoa um pilar da nova basílica em construção há nove anos em Trindade, Goiás – Foto: Reprodução

“As investigações indicaram que a constituição destas últimas associações não passou de uma manobra utilizada pelo padre para ocultar dos demais associados e diretores da entidade religiosa parte do patrimônio obtido pela Afipe”, escreve a magistrada.
Membros conselheiros da Afipe foram ouvidos na investigação. De acordo com o MP, quatro deles afirmaram em depoimento que sequer sabiam da existência de pessoas jurídicas distintas.

“Essa estratégia permitiu que o padre ocultasse dos demais associados as atividades e patrimônio em nome das outras Afipes. Além disso o doador não sabia nem mesmo que doava para a Afipe, ele achava que era para a igreja. E na hora da doação ninguém confere o CNPJ, para o doador isso não fazia diferença”, afirmou Halfeld.

Outro lado

Além do padre Robson, tornaram-se réus outras 17 pessoas. Eles são acusados dos crimes de organização criminosa, apropriação indébita, falsidade ideológica e lavagem do dinheiro doado às Afipes.

O advogado Pedro Paulo de Medeiros, que representa padre Robson, afirmou que não há irregularidades e que a Afipe sempre geriu seus bens seguindo determinações da diretoria.

“Nunca houve apropriação, porque nunca houve reclamação. O Ministério Público do Estado de Goiás está reclamando de algo que nem a própria Afipe reclama. Todas essas negociações de compra e venda de imóveis são absolutamente normais no mercado imobiliário”, afirmou o advogado.

Medeiros acrescentou que as transações imobiliárias geraram “altíssimo lucro para a Afipe, tanto que, atualmente, ela tem um patrimônio superior a R$ 2 bilhões. Portanto, o MP não tem o que opinar sobre a gestão da associação privada, que não recebe sequer um real de recurso público”.

O defensor do padre afirmou ainda que confia no trancamento da investigação. Em 6 de outubro, os magistrados da 1ª Câmara Criminal de Goiânia determinaram a suspensão do inquérito. Mas na última segunda-feira (7), a Justiça autorizou o MP a retomar o caso.

Para a defesa da família Cabriny, o MP ofereceu a denúncia às pressas pois sabe que corre risco da investigação voltar a ser suspensa no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O advogado Danilo Vasconcelos, representante dos três irmãos, confirmou a negociação com a Afipe e sustentou que elas foram com preço de mercado.

“Não foram apenas duas fazendas pelos R$ 7,5 milhões como diz o MP, foram três além de dois apartamentos. Então o preço é compatível. Posteriormente esses imóveis foram repassados e deram lucro para a Afipe. Mas é bom que se diga que os Cabriny não tem nada a ver com a Afipe, e se por ventura a negociação deu prejuízo para eles, isso é problema de gestão da Afipe. Os Cabriny são empresários e vivem de lucro”, afirmou Vasconcelos.

Época não conseguiu contato com a defesa dos parentes do padre Robson. As defesas de Ana Verônica e Rodrigo Mendoza não foram localizados.

Valedoitaúnas/Informações Revista Época



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