Objetos e relíquias milenares do Afeganistão podem ser destroçados pelo Talibã
17 de agosto de 2021Especialistas demonstram preocupação com o futuro de patrimônio mundial; relembre peças valiosas, como os Budas de Bamiyan, que já foram destruídas
Soldados no Afeganistão – Associated Press
As vítimas do Talibã não são apenas humanas. Desde que o grupo extremista tomou o poder no Afeganistão, paira uma grande preocupação, entre especialistas, sobre o futuro de objetos de alto valor cultural guardados pelo país. Um pedaço da história da nação oriental pode ser destroçado da mesma forma que aconteceu em 2001, após a invasão dos EUA que retirou o Talibã do poder por 20 anos.
Há duas décadas, quando foi deflagrada a Guerra do Afeganistão, a ordem do Talibã era que todas as estátuas do país fossem destruídas em prol da doutrina islâmica. "Só estamos quebrando pedras", declarou o líder do Talibã Mulla Mohammad Omar, ao explodir, em 2001, dois enormes budas na província de Bamiyan, além de várias outras relíquias milenares. O caso pode se repetir agora, lamentam lideranças culturais afegãs, como a cineasta Sahraa Karimi, que escreveu uma carta aberta solicitando ajuda a todos os continentes.
Estima-se que, em 2001, mais de 70 mil artefatos históricos tenham sido roubados pelo Talibã – dentre as preciosidades saqueadas, figuravam peças que datavam das idades da pedra e do bronze, os períodos do zoroastrismo, budismo e, até mesmo, o inicio do Islã. Apenas 11 mil obras foram recuperadas desde então, como resultado de uma ação da Interpol e da Unesco, em parceria com governos do mundo inteiro.
Recentemente, o Talibã prometeu respeitar a história do país. Em declaração que surpreendeu a comunidade internacional, os líderes extremistas ressaltaram que orientaram seus combatentes a "proteger, monitorar e preservar ativamente" as relíquias do Afeganistão, além de impedir escavações ilegais e proteger "todos os locais históricos".
As lideranças do movimento fundamentalista também proibiram a comercialização de artefatos no mercado de arte. "Ninguém deve perturbar a ordem nesses locais ou pensar em usá-los com fins lucrativos", afirmou o comunicado.
Em depoimento à revista "National Geographic", Mohammad Fahim Rahimi, diretor do Museu Nacional do Afeganistão, em Cabul, demonstrou receio com a memória cultural do país: "Infelizmente a declaração (do Talibã) não é clara o suficiente, especialmente no que diz respeito à herança pré-islâmica. Todos sabem o que aconteceu com a coleção de artefatos pré-islâmicos durante a guerra civil e em 2001".
Noor Agha Noori, chefe do Instituto de Arqueologia do Afeganistão, acredita, da mesma forma, que o grupo extremista não tenha mudado de comportamento. "Para ser honesto, estamos muito preocupados com o futuro do patrimônio cultural afegão caso o Talibã retome o poder", declarou ele, em entrevista à "National Geographic". O arqueólogo ressalta que há inúmeras evidências de que o Talibã mantém interesse em saquear museus e sítios arqueológicos para gerar receita para o grupo.
Relíquias destruídas no Afeganistão
Budas de Bamiyan
Para preservar seus bens culturais da guerra civil em 1999, o governo afegão fez, à época, um acordo com o governo suíço para a criação do Museu em Exílio do Afeganistão. Localizado na cidade suíça de Budendorf, o prédio recebeu 1.400 obras vindas do país asiático à época. Apenas em 2006, as peças retornaram para seu lugar de origem. Isso não salvou da destruição os Budas de Bamiyan, uma enorme escultura destruída pelo Talibã em 2001.
Localizadas no Vale do Bamiyan, na antiga Rota da Seda, que ligava a Índia e a China, os Budas de Bamiyan eram considerados patrimônios mundiais pela Unesco. Esculpidas na rocha entre os séculos IV e V, as esculturas religiosas gigantes, com mais de 50 metros de altura, estão hoje quase completamente destruídas. Apenas os contornos e determinados pedaços do que restou podem ser reconhecidos atualmente. O governo do Japão se dedica a recriar determinadas partes do patrimônio, mas o trabalho é lento.
Museu Nacional do Afeganistão
O principal museu afegão, em Cabul, é mais conhecido não por seu acervo, mas pelo atentado que o destruiu quase inteiramente em 2001. Cerca de 70% de sua coleção foi roubada pelo Talibã há 20 anos. De lá pra cá, com a ajuda de instituições internacionais, cerca de 300 objetos milenares que haviam sido reduzidos a ruínas foram meticulosamente reconstruídos por arqueólogos. Parte dos objetos segue registrada em acervo digital.
Uma dessas relíquias é a estátua de Bodhisatva Siddhartha, figura do budismo, de pernas cruzadas, obra datada do século 2 ou 3 a.C., e que, desde sua restauração, possui um lugar de destaque no alto da escadaria do lugar.
Vale lembrar que, em salas secretas do Ministério da Cultura do Afeganistão e do próprio Museu Nacional do Afeganistão, escondem-se os artefatos valiosos, que podem ser facilmente derretidos, como uma coleção de ornamentos em ouro e prata moldados há mais de dois mil anos.
Valedoitaúnas (iG)