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O Master Chef confirmou: “Moqueca é capixaba, o resto é peixada”

06 de dezembro de 2024

O Master Chef confirmou: “Moqueca é capixaba, o resto é peixada”Célio Barcellos – Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

Numa noite qualquer da década de 1970, o jornalista capixaba Cacau Monjardim, após intenso dia de atividades e com muita fome, decide jantar num dos restaurantes de Salvador.

Já era um pouco tarde, mas ele quis experimentar a moqueca baiana. Ao receber o seu prato e se empanturrar com o peixe banhado a óleo de côco, pimentão, óleo de dendê e a ardida pimenta, Monjardim decide voltar para o hotel com o intuito de descansar.

O grande dilema é que o tempero baiano provocou no jornalista capixaba, uma terrível má digestão.

A partir daquela desagradável experiência, e, no dia seguinte nas resenhas com os colegas de profissão baianos, Monjardim cunhou a seguinte frase: “Moqueca é Capixaba o resto é peixada”.

Pronto, declarou-se a guerra do contestado entre capixabas e baianos por causa da culinária que os antepassados nos legaram. Uma boa dica para melhor compreensão acerca da origem da culinária nas regiões do país é a leitura da obra, “História da alimentação no Brasil”, de Luís da Câmara Cascudo.

Pois bem, voltemos à briga da moqueca. O capixaba, especialmente do contexto litorâneo à semelhança de um caiçara, desde pequeno está envolto em peixes. Seja nas pescas artesanais, quando as canoas servem de embarcação ou lanchas e barcos para a captura dos pescados.

Particularmente, desde que me entendo por gente, a palavra moqueca sempre soou como algo prazeroso. Os meus avós (João Barcellos e Valdimira), dentro da simplicidade de nosso lar em Itaúnas, nunca deixou faltar o peixe. Comíamos peixes de todo jeito: assados na brasa, fritos e sem deixar de fora, a deliciosa moqueca.

Nós, nativos da Vila, íamos à praia para os pinhêns (esse termo é a ação em ajudar o pescador a limpar a rede quando chega do mar. Em troca do trabalho, ganhávamos peixes para o alimento); também desde cedo, tínhamos a familiaridade com a canoa, o remo, a linha de pescar e a tarrafa. Fazia parte de nossa cultura de rio, dunas e mar. 

A moqueca é uma espécie de herança familiar. Eu aprendi a prepará-la com o meu avô. Como não éramos ricos e por isso nem sempre tínhamos peixes nobres, como robalos e badejos. Porém, até mesmos os berés (peixes pequenos como cará, piau e outros pequenos peixes) viravam moquecas.

No Espírito Santo a moqueca é um patrimônio de nossa gente. No 30 de setembro, mês do aniversário do Monjardim, é celebrado o Dia da Moqueca.

Confesso que não sou bom na culinária. Na verdade, tenho preguiça de cozinhar (rssss). Contudo, a minha esposa (Salomé Barcellos) tem a habilidade e um ótimo tempero.

Algumas visitas em nossa casa já tiveram a oportunidade de provar da moqueca capixaba. Fazemos questão de cozinhar na panela de barro. A que temos aqui, foi um presente do chef de cozinha José Edson de Cobilândia, Vila Velha. Ele nos presenteou quando migramos para São Paulo.

Da mesma maneira que o capixaba tem na moqueca um diferencial, os baianos, de igual maneira têm em seu círculo familiar a tradição da moqueca.  Isso mostra que a rivalidade para obter a primazia de melhor moqueca não é algo aleatório e simples, mas, tem aspectos culturais fortes. É uma briga entre Estados!

No entanto, já tem-se o vencedor. Na décima edição do Master Chef Brasil, a sommelier capixaba, Laura, de apenas 23 anos desbancou a moqueca baiana, ao vencer o funcionário público de Salvador/BA Jeferson, de 43 anos. (Assista o vídeo abaixo a partir do minuto 7,30).

Quero dizer que tenho um carinho especial pela Bahia e pelo povo baiano. Além do mais, tenho antepassados vindos de lá. E no contexto de formação universitária, a minha "alma mater" é na Bahia.

Contudo, apesar do carinho pelos baianos, o Master Chef apenas confirmou o que nós já sabíamos (rssss). Não fiquem zangados nobres baianos! Somos irmãos e temos temperos diferentes. E é esse o diferencial, pois se o sabor fosse o mesmo, não teria graça.

Infelizmente, o Cacau Monjardim já não está entre nós para apreciar esse texto. Porém, espero que os capixabas espalhados pelo Brasil e pelo mundo tenham orgulho do Espírito Santo e sejam gratos à memória do Monjardim.

Até porque, a criatividade do Monjardim divulgou a nossa terra. Pois, de Marataízes a Itaúnas e do Brasil para o mundo, "moqueca é capixaba, o resto é peixada".

*Célio Barcellos é teólogo, jornalista e natural do município de Conceição da Barra–ES. Atualmente reside em JaguariúnaSP – email: [email protected].



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