Miséria, inflação, dívidas e desemprego têm piores índices em 10 anos
11 de julho de 2022Estudo mostra que o mal-estar provocado pelo empobrecimento nunca esteve tão presente na realidade brasileira
Miséria, inflação, dívidas e desemprego têm o maior impacto nos lares em 10 anos – Foto: Reprodução/Agência Brasil
O mal-estar provocado pelo empobrecimento é o mais alto no Brasil em dez anos. Numa análise sobre a miséria no país, o professor emérito do Instituto de Economia da UFRJ, João Saboia, concluiu que essa condição nunca esteve tão presente na realidade brasileira. Com outros pesquisadores do instituto, ele elaborou um índice para medir a intensidade da miséria e do retrocesso na qualidade de vida das famílias.
Com o agravamento da crise pela pandemia, os números mostram em 2021 a pior situação em toda a série do estudo, iniciada em 2012.
O índice de miséria vai de zero a 1. Quanto mais alto, pior a situação. Nos cálculos dos pesquisadores, esse índice está hoje em 0,947, subindo quase 60% em relação a 2020, quando era de 0,591. O índice vai além do impacto da inflação e do desemprego sobre as famílias de renda mais baixa.
Agrega dados sobre subemprego, renda domiciliar per capita dos 20% mais pobres do país, a desigualdade entre esse grupo e os 20% mais ricos e a inadimplência, que limita o acesso ao crédito para o consumo. O estudo traz um termômetro mais preciso dos efeitos das dificuldades na vida dos brasileiros mais pobres às vésperas das eleições.
"Houve uma disparada no segundo ano da pandemia. A situação piora muito do ponto de vista de bem-estar. Renda e desigualdade estão no pior momento, e outros indicadores só perdem para 2020, no auge da doença", diz Saboia.
O sociólogo Marcelo Medeiros, especialista em pobreza e desigualdade e professor visitante na Universidade Columbia, em Nova York, explica que a queda da renda dos dois terços mais pobres é muito visível e torna claro o aumento da desigualdade. Os mais ricos conseguem se proteger da inflação e têm reservas.
O remédio para a inflação é concentrador de renda, diz Medeiros. O Banco Central aumentou a taxa básica (Selic) de 2% ao ano, em 2020, para os atuais 13,25%. Segundo Medeiros, só 1% da população declara rendimento de capital no Imposto de Renda:
"As pessoas estão mudando coisas importantes, fundamentais, como o padrão de comida. Houve perda de emprego de qualidade, com setor informal muito grande. Você vê desigualdade em tudo, inclusive no desemprego. Os ricos têm mais condições de se recuperar se perdem o emprego".
Segundo o estudo de Saboia, a renda dos 20% mais pobres caiu de R$ 244,50 em 2020 para R$ 187,50 per capita em 2021, perda de 23,3%, bem mais severa que a média geral de 7%. Frente a 2014, o melhor momento da renda dessas famílias, a redução no poder de compra foi de 27,3%. A distância social cresce. Os ganhos dos 20% mais ricos representam 21,1 vezes os dos 20% mais pobres. Em 2020, eram 16,9 vezes.
"A maioria das pessoas está vivendo sob uma pressão imensa", observa.
Dívida para fechar contas
A inadimplência só não está pior que em 2020, auge da pandemia e do isolamento social. Pela pesquisa, 27,2% dos devedores têm pagamentos atrasados. Fábio Bentes, economista sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC), que mede o endividamento das famílias, cita três estatísticas que estão no seu pico.
O número absoluto de devedores, 66 milhões, é o maior da série histórica da Serasa, que começou em 2016. O valor médio das dívidas chegou a R$ 4.107, também recorde. Há 3,42 dívidas por família no Brasil, média que só não é pior do que em 2020, quando eram quatro.
"Mas o tíquete médio de cada dívida aumentou e é o maior: R$ 1.212", diz Bentes, que observa um crescimento da demanda por crédito, mesmo com juros subindo. "Certamente são as famílias tentando fechar o orçamento. Esses recursos não estão indo para o consumo, porque o comércio está crescendo de forma preguiçosa".
O carpinteiro Neilson Garcia compra cada vez menos, inclusive comida. Se antes fazia uma boa compra no início do mês, com biscoitos e iogurtes para as filhas de 5 e 2 anos, agora se contenta com uma cesta básica.
"Não sobra para legumes nem frutas", lamenta.
Em 20 anos de profissão, ele nunca tinha enfrentado dificuldade para encontrar uma vaga de carteira assinada. Mas, depois de ser demitido no início de 2020, tudo mudou. Até conseguiu outro emprego formal, mas a empresa faliu oito meses depois. Desde janeiro, faz pequenos trabalhos como pintor e eletricista, mas não é sempre que surge algo.
Aos fins de semana, ajuda a esposa que trabalha como cerimonialista. Conta nas estatísticas como ocupado, mas não tem segurança financeira:
"Sem nenhum bico, fico desesperado".
PEC agrava cenário
Daniel Duque, pesquisador da FGV, avalia que a crise atual que afeta os mais pobres ainda deve piorar em 2023. A proposta de emenda à Constituição (PEC) Eleitoral – aprovada no Senado e que deve ser votada na Câmara na semana que vem para aumentar benefícios sociais a três meses da eleição a um custo de R$ 41,2 bilhões – pode dar algum alívio temporário.
Mas, na opinião do economista, vai aprofundar a miséria e a desigualdade a partir de janeiro, quando perderia o efeito:
"A medida fará a inflação demorar a desacelerar, os juros subirem e o dólar se valorizar com a piora na situação fiscal. Isso vai ter um custo adicional nos próximos meses, com alimentos e combustíveis mais caros. A piora está contratada".
Valedoitaúnas (iG)