Maioria dos brasileiros apoiam elevar impostos para reduzir a desigualdade
31 de maio de 2021Vista do Alphaville, condomínio construído no município de Nova Lima, às margens da rodovia federal BR 040. Nova Lima (MG) é a cidade com a maior renda média mensal do país (R$ 6.253) e 5ª maior renda entre os declarantes (R$ 20.477). Ranking de reportagem especial revela onde estão as pessoas mais ricas e mais pobres do Brasil – Foto: Alexandre Rezende/Folhapress/Mais
Em meio a novo pico de pobreza e pressão para ampliar programas de renda, pesquisa inédita do Datafolha para a Oxfam Brasil revela que a maioria dos brasileiros hoje é favorável a aumentar a tributação para financiar políticas sociais.
O apoio mais que dobrou desde 2017, saltando de 24% dos brasileiros para 56%. Nove em cada dez acham que reduzir a desigualdade deveria ser a prioridade do governo; e a maioria (68%) acredita que atacar a questão é fundamental para o desenvolvimento.
Com a taxa de pobreza no Brasil no maior patamar em cerca de 15 anos devido à pandemia da Covid-19, o Congresso vem pressionando o governo Jair Bolsonaro (sem partido) a encontrar fontes para financiar um programa de distribuição de renda mais robusto; ou reforçar o Bolsa Família.
O próprio presidente tem interesse, pois sua popularidade vem acompanhando de perto, desde 2020, o pagamento do auxílio emergencial. Quanto maior o benefício, mais brasileiros o aprovam.
No ano passado, o governo chegou a ensaiar a criação do Renda Brasil, que unificaria vários programas sociais.
Mas Bolsonaro enterrou o assunto dizendo que não tiraria dinheiro "dos pobres para dar aos paupérrimos" – pois o programa eliminaria alguns benefícios para assalariados formais de menor renda.
A taxa de pobreza no Brasil, considerando quem vive com menos de R$ 246 ao mês (R$ 8 ao dia), subiu de 11% em 2019 para 16% no primeiro trimestre deste ano.
Os brasileiros na miséria passaram de 24 milhões para 35 milhões, segundo dados da FGV Social.
Em 2020, o pagamento do auxílio emergencial mostrou como programas desse tipo têm impacto imediato: em agosto, no auge do pagamento do benefício mensal de R$ 600, a taxa de miseráveis caiu para 4,6% (10,1 milhões de pessoas), a menor da série histórica.
Entre abril e julho deste ano, enquanto estiver sendo pago o novo auxílio médio de R$ 250, a pobreza extrema deve recuar dos 16% do primeiro trimestre para 13% (28 milhões de pessoas).
A partir de agosto, a tendência é que a taxa volte a subir se a economia não reagir, principalmente para os trabalhadores na informalidade – cujas vagas, dependendo da ocupação, encolheram até 20% em 2020.
Enquanto se discute uma reforma tributária no Congresso, a pesquisa Datafolha/Oxfam revela que um percentual ainda maior de brasileiros (84%) apoia tributar principalmente os mais ricos para financiar políticas sociais.
Na contramão, os mais ricos (com renda acima de cinco salários mínimos, ou R$ 5.500) são os menos favoráveis a isso. Entre eles, a adesão à ideia é de apenas 35%.
Já entre os que ganham até um salário mínimo (R$ 1.100) e que, em tese, poderiam ser beneficiados pelos programas, o apoio vai a 61%.
Segundo cálculos do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) na FEA/USP, cada R$ 100 redistribuídos do 1% mais rico no Brasil para os 30% mais pobres podem gerar uma expansão na renda agregada de R$ 106,70, acelerando o consumo e o crescimento.
O cálculo leva em conta a estrutura distributiva e a propensão das diferentes classes em consumir, em que os 10% mais pobres gastam 90% da sua renda adicional no consumo; e o 1% mais rico, 24%.
Já o aumento do apoio da população em geral à cobrança de mais impostos de toda a sociedade pode ter ligação com a deterioração da situação pessoal dos brasileiros, que se veem mais vulneráveis.
A pesquisa revela que 69% dos brasileiros agora se consideram membros da "classe média baixa" ou "pobre", um aumento de cinco pontos percentuais em relação a 2019.
Houve redução também na expectativa de mobilidade social, segundo o levantamento —que ouviu presencialmente 2.079 pessoas em 130 municípios do Brasil entre 7 e 15 de dezembro de 2020. A margem de erro da pesquisa é de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos.
Para Jefferson Nascimento, coordenador da área de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, o fato de agora a maioria da população aceitar mais impostos sobre a sociedade como um todo (e não apenas sobre os mais ricos) revela que há um entendimento de que novos programas são necessários e que precisam de financiamento para acontecer.
"Parece ter caído a ficha de que é preciso dinheiro para esses investimentos. Há também uma percepção de que o Estado deve ser o responsável por políticas de combate à desigualdade, em linha com o que órgãos como o FMI [Fundo Monetário Internacional] e Banco Mundial vêm colocando", afirma Nascimento.
Um dos objetivos da pesquisa é inserir o tema na discussão da reforma tributária que eventualmente governo e Congresso venham a perseguir nos próximos meses – para que haja mais equidade na arrecadação e aumento dos recursos para programas contra a desigualdade.
Trabalho do economista Pedro Ferreira de Souza, autor de "Uma História da Desigualdade" (prêmio Jabuti em 2019), mostra que, na comparação com outras regiões importantes (ou mesmo com a América Latina e sul da Europa), o Brasil é o país que menos arrecada tributos via Imposto de Renda – por meio do qual são taxados sobretudo os mais ricos e, predominantemente, os empregados formais.
Ao concentrar grande parte da carga tributária bruta no consumo de bens e serviços, o Brasil acaba onerando proporcionalmente mais os pobres – que consomem quase toda a sua renda.
Enquanto a reforma tributária não avança e com término do novo auxílio emergencial previsto para julho, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou na semana passada que o Congresso poderá editar medida para prorrogar o programa "por um ou dois meses" – mas sem dizer de onde virão os recursos.
Em 2020, o auxílio foi pago entre abril e dezembro empregando R$ 293 bilhões. A rodada atual prevê inicialmente apenas R$ 44 bilhões (15% do total do ano passado).
O ministro Paulo Guedes (Economia) também tem se movimentado para criar alternativas e já anunciou programas ainda pouco detalhados – e sem esconder a vantagem eleitoral que isso pode proporcionar.
Outra opção é acelerar a reformulação do Bolsa Família, elevando o valor dos benefícios e ampliando o público antes da eleição de 2022.
Em entrevista à Folha, publicada na semana passada, Guedes declarou: "Agora vem a eleição? Nós vamos para o ataque. Vai ter Bolsa Família melhorado, BIP [Bônus de Inclusão Produtiva], o BIQ [Bônus de Incentivo à Qualificação], vai ter uma porção de coisa boa para vocês baterem palma. Tudo certinho, feito com seriedade, sem furar teto, sem confusão".
Muitos especialistas defendem o reforço do Bolsa Família como o caminho mais efetivo no combate à pobreza.
O programa custa R$ 34,5 bilhões ao ano, alcança 14,7 milhões de famílias e paga, em média, R$ 190 ao mês – valor inferior às médias do auxílio emergencial de 2020 (R$ 600) e deste ano (R$ 250).
Segundo projeções do Made, para cada R$ 100 distribuídos pela via do auxílio emergencial no ano passado, houve R$ 140 de aumento na renda agregada.
No caso do Bolsa Família, por se tratar de pessoas extremamente pobres, o efeito multiplicador é bem maior.
Segundo cálculos do economista Naercio Menezes, do Insper, para cada R$ 1 a mais per capita oferecido pelo programa, o PIB per capita do município onde o dinheiro é gasto aumenta R$ 4 – daí a preferência de muitos especialistas pelo Bolsa Família.
Valedoitaúnas/Informações Yahoo