Mães perdem o benefício do auxílio emergencial e vivem de doações
21 de julho de 2021Elas tentam na Justiça a possibilidade de recebimento retroativo – Foto: Divulgação
As doações de cesta básica e a ajuda de terceiros têm sido a forma que duas mães encontram para conseguir alimentar seus filhos menores. Desempregadas e com o auxílio emergencial negado, essas trabalhadoras vivem da solidariedade de pessoas que muitas vezes sequer conhecem. Esses são apenas dois exemplos de mães-solo que tiveram o auxílio bloqueado ou negado em um universo de pelo menos 1.077 casos detectados pela campanha Renda Básica que Queremos.
Autônoma desempregada, Patrícia Felix Simões, 33 anos de idade de Vendas Novas (Minas Gerais), tem duas filhas menores, uma de 13 e outra de 2 anos e oito meses, entre uma porta e outra contou sua história ao EXTRA. Mãe solo, a trabalhadora bate de porta em porta pelas ruas pedido ajuda para alimentar as duas crianças. O auxílio emergencial de até R$ 375 nunca chegou até ela, apesar de ter registro no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal.
"Desde bem antes da pandemia já tinha o (registro) no CadÚnico, mas nunca recebi Bolsa Família porque minha mãe morava com a gente e isso me impedia de receber o auxílio. No ano passado ela mudou. Mas apesar de ter atualizado o cadastro no início do ano, o ministério disse que não tenho direito a receber o auxílio emergencial", lamenta Patrícia, que chegou a receber o auxílio de R$ 600 e a extensão de R$ 300 no ano passado.
Situação similar passa a auxiliar de limpeza desempregada Amanda Francisca Moreira Miranda, de 30 anos, moradora de Senador Canedo, em Goiânia. Mãe de três filhos ela está desempregada desde março de 2020, quando saiu do trabalho em uma creche pública da cidade. Apesar de ter comprovado o fim do contrato, Amanda teve que recorrer à Justiça para ter as parcelas do auxílio emergencial desde 2020 liberadas.
"Não recebo Bolsa Família e só recebi as cinco parcelas de R$ 1,2 mil e a extensão do auxílio através da Defensoria Pública da União de Goiânia, que conseguiu uma ordem judicial para o pagamento", diz Amanda, que vive com ajuda de amigos e doações de cestas básicas.
Assim como Patrícia, Amanda também teve o auxílio de 2021 negado. O motivo? O mesmo alegado anteriormente para negar o pedido, e que a Justiça reconheceu não ser válido: para o governo federal essa mãe de 3 filhos menores ainda seria funcionária pública.
"Tive que dar entrada em um novo processo na DPU, mas ainda não recebi porque eles alegam que sou funcionária pública mesmo apresentando o destrato que comprova que fui exonerada em 2020".
Problemas recorrentes
Nesta terça (20), os organizadores da campanha Renda Básica que Queremos enviaram para o Ministério da Cidadania um novo ofício com informações de 1.077 mulheres que são mães chefes de família e estão sem receber o auxílio emergencial, em alguns casos, desde 2020. Em junho passado, o ministério reanalisou e liberou 1.422 benefícios após o envio de uma relação com nomes de pessoas que passaram pelo mesmo problema que as mães-solo.
Os organizadores da campanha contam que no último mês receberam relatos de mulheres que estão em extrema dificuldade porque tiveram o benefício bloqueado. Algumas até receberam o pagamento com valor inferior ao que têm direito. A lista, enviada ontem à pasta da Cidadania, foi com cópia para a Defensoria Pública da União (DPU).
De acordo com a Renda Básica, foram identificados três problemas mais frequentes na concessão dos auxílios: mães chefes de família cujo requerimento continua em processamento, mesmo governo tendo estabelecido o prazo de 27 de abril para avaliar todos os casos pendentes; mulheres com filhos menores que tiveram o auxílio negado sem justificativa e as que tiveram decisão judicial favorável, mas ainda não receberam.
Segundo Paola Carvalho, diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica, uma das organizações integrantes da campanha, o objetivo do ofício é, mais uma vez, apontar os gargalos do sistema que impedem o pagamento a quem tem direito.
"Dessa forma, o ministério poderá avaliar cada caso, tomar as providências necessárias para corrigir o problema e autorizar os pagamentos", avalia Paola.
Ela disse que é muito cruel um beneficiário não receber, mesmo tendo direito, e é mais grave ainda uma mulher que é mãe solo passar pela mesma situação.
"Além de desumano, é humilhante", desabafa Paola.
Paola chama a atenção para o fato de a maioria das mães contarem somente com esses recursos para sustentar os filhos neste momento de pandemia.
"Portanto, privá-las do auxílio é permitir que fiquem ainda mais vulneráveis do que já são e sem condições de buscar trabalho nas ruas porque, na maioria das vezes, não têm com quem deixar os filhos menores".
Reivindicações
No ofício, os organizadores da campanha pedem que os casos da lista sejam revistos e que, uma vez identificado o erro, a correção seja feita no sistema para beneficiar outras mães que estejam vivendo a mesma situação.
Solicitam ainda que a base de dados seja revisada e que seja aberto um canal de contestação, com possibilidade de encaminhar documentos para facilitar a comunicação com o Ministério da Cidadania.
Procurada, a pasta da Cidadania não respondeu aos questionamentos sobre a negativa dos auxílios para as duas mães chefes de família e nem sobre a lista com os 1.077 casos encaminhados pela campanha Renda Básica que Queremos. O espaço segue aberto.
Valedoitaúnas (iG)