Luz, câmera e oração: igrejas evangélicas mantêm discurso conservador, mas investem em roupagem pop
03 de julho de 2024Croppeds e tênis substituem as mangas longas, saltos e ternos de cultos mais tradicionais. Depois das celebrações religiosas, pode ter até DJ de músicas eletrônicas
Jovens acompanham show que antecede pregação na Lagoinha — Foto: Divulgação
O cronômetro no telão marca os três minutos que antecedem o início da performance. Cantores emergem fazendo coreografias, debaixo de luzes fluorescentes e uma banda com guitarras estridentes e marcação forte na bateria. Poderia ser um show pop, mas é um culto religioso.
Por cerca de meia hora, jovens vibram com o louvor — que ali, na Lagoinha da Barra, na Zona Oeste do Rio, é chamado de worship. A plateia acompanha versos como “Você tem meu sim/Tem meu dom/Meu futuro/Te dou tudo” nas músicas da apresentação.
É a dinâmica dos cultos das igrejas pentecostais e neopentecostais que montam estratégias para atrair o público mais jovem. Por três semanas, o GLOBO assistiu cultos e conversou com lideranças de cinco delas – a Igreja Batista Lagoinha, a Bola de Neve, a Reino Church, a United e a Brasa Church. Apesar de suas particularidades, todas têm em comum uma abordagem mais descolada se comparadas a igrejas tradicionais, a exemplo da Assembleia de Deus.
Croppeds e tênis substituem as mangas longas, saltos e ternos de cultos mais tradicionais. Depois das celebrações religiosas, pode ter até DJ de músicas eletrônicas.
“Se vende um estilo de vida jovem, de oportunidades e pertencimento a um local descontraído, mas que te levará para o céu”, analisa o antropólogo Taylor de Aguiar, do Núcleo de Estudos da Religião da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
A estratégia funcionou com a empreendedora Jessica Farias, de 31 anos, que frequentou a Assembleia de Deus na infância e se afastou no fim do colégio – mas voltou aos braços da fé na Lagoinha.
“Comecei a beber e a brigar com meus pais porque não queria ir ao culto. Passei anos sem entrar em uma igreja. Há dois anos, uma amiga começou a insistir que eu fosse na Lagoinha. Entrei e nunca mais saí”, disse um membro da igreja.
Assim como em um bom festival de rock, a música não é a única atração destas congregações. Brindes de marcas parceiras são anunciados pelos pastores, que vão desde procedimentos estéticos como hydragloss, realizado nos lábios para aumentar a hidratação, até ensaios fotográficos de “pré-wedding”, que noivos fazem antes do casamento.
A mistura de inglês com português não para nos produtos oferecidos e no nome de algumas destas igrejas. Na Reino Church, criada em 2021 em Balneário Camboriú (SC), a frase We are reino (“nós somos reino”) é estampada na entrada. Dentro do templo, há outras, como living the next extraordinary (algo como “vivendo de forma extraordinária”, frase que permeia a filosofia da igreja).
“Nomes de programas, estampas de camisa, outdoors: tudo se dialoga com a língua inglesa. Para circular pelo mundo, precisamos do inglês. Queremos membros preparados para andar pelo mundo anunciando a mensagem de Jesus”, justifica o fundador Eduardo Reis.
A socialização vai para além dos cultos. Na Lagoinha, treinos de funcional na praia são comuns. No Lagoinha coffee, fiéis são recebidos com café, doce de leite ou brigadeiro.
A Reino Church incentiva esportes como corrida e surfe (e tem suas próprias linhas de energéticos e de picolés). Nos mais de 500 templos da Bola de Neve, uma prancha sempre decora o púlpito – referência ao suporte usado para pousar a Bíblia pelo apóstolo e surfista Rinaldo Seixas Pereira, o Rina, no começo da igreja, no fim dos anos 1990.
Visual da prosperidade
O uso do inglês, a moda, os brindes, os concertos e o estímulo a exercícios são maneiras de se abordar fora das pregações um tema caro a muitas denominações evangélicas: a teologia da prosperidade, que associa a fé e a saúde física aos bens materiais.
“É um jeito de falar sobre prosperidade e riqueza sem você incluir na hora da palavra. Esses aspectos semióticos, da demonstração do status da riqueza, marcas e músicas ajudam a passar essa mensagem”, analisa o pesquisador Vinicius do Valle, do Observatório dos Evangélicos.
Mesmo conectados aos aspectos materiais da vida moderna, os pregadores não deixam de lado o aspecto espiritual dos cultos. Como fez na quinta-feira, na Lagoinha da Barra da Tijuca, o pastor Lucas Gomes:
“Não basta fazer oferta, trazer cantor, fazer evento, ter roupa bonita, fazer reels no Instagram se não tem o amor de Deus. Vai acabar do mesmo jeito. Estamos unindo aqui duas gerações, e Deus está vindo pela sua vida”, disse o pastor Lucas Gomes.
A modernização do visual também não fez temas como o sexo ganharem uma abordagem menos conservadora. A relação sexual é tratada dentro do casamento, e valores tradicionais como a família são mantidos.
“Se alguém que tenha pensamento sobre sexualidade diferente do que a palavra de Deus fala, com amor nós falamos o ponto da Bíblia e levamos as pessoas a tomarem suas decisões com Deus. Acolhemos todos, mas não vamos celebrar um casamento homoafetivo”, avisa o pastor Maurício Soares, da Brasa Church, que promove cultos antecedidos por shows em um teatro no Shopping Bourboun Country, em Porto Alegre, aos domingos.
(Fonte: Extra)