Juízas afegãs pediram ajuda ao Brasil para fugirem do Talibã
30 de agosto de 2021Solicitação de 270 magistradas veio por entidade brasileira, mas não foi adiante
Foto: Divulgação
Escondidas na casa de amigas, enterrando seus celulares e sem acesso à internet, 270 magistradas afegãs pedem ao governo brasileiro asilo humanitário e um avião que as traga ao país. Em carta enviada à Associação Brasileira de Juízas, 100 integrantes da associação afegã afirmam que já receberam recado de que correm risco de vida.
O Superior Tribunal Militar (STM) brasileiro também foi acionado e começou a agir. O presidente da corte, ministro Luis Carlos Gomes Matos, teve na última semana conversas com o ministro da Secretaria Geral da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos, pedindo que o governo se posicione. O pedido de socorro humanitário foi enviado no último dia 25.
“Elas estão escondidas e sob grande risco, porque grande parte das juízas condenaram homens, inclusive talibãs. Muitas delas já foram avisadas de que estão sob a mira do novo regime. O agravante é que estão incomunicáveis. O pedido chegou até a Associação Internacional de Juízas, que nos enviou, por contar com a ajuda do Brasil, um dos países signatários do tratado internacional de direitos humanos”, explicou a juíza Amini Haddad Campos, representante da associação no Brasil.
Única mulher integrante do STM em 212 anos da instituição, a ministra Elizabeth Rocha tem também conversado com o Itamaraty em busca do socorro. Mas a decisão final cabe ao Ministério da Defesa, que, procurado pelo GLOBO, não se manifestou.
“Elas estão tendo que omitir o fato de que são magistradas, com medo de serem assassinadas. Elas e suas famílias”, a ministra Elizabeth Rocha.
Elizabeth Rocha ressalta que, mesmo antes da tomada de poder pelo talibã, “elas nunca viveram no paraíso” no Afeganistão. Muitas sequer recebiam salário. Mas os relatos que tem são de que agora a situação se tornou “dramática”. As mulheres, para os talibãs, não têm o direito de exercer cargo de poder.
A associação pede visto humanitário e asilo político. O pedido está parado no Ministério da Justiça. Seccionais da OAB, como a do Mato Grosso do Sul, também estão ajudando a pressionar autoridades brasileiras.
A posição do Talibã em relação aos direitos das mulheres ainda não está bem esclarecida. Relatos das últimas semanas indicam que em cidades como Herat, o Talibã estava proibindo mulheres de irem a escritórios e de frequentarem as universidades, segundo agências internacionais. Na última terça-feira, um porta-voz do Talibã chegou a aconselhar as mulheres no Afeganistão a não trabalharem, a ficarem em casa. O porta-voz alegou que não estavam seguras na presença de soldados.
Associações mobilizadas
No entanto, outros porta-vozes do grupo vêm dando declarações nos últimos dias garantindo que as mulheres poderão trabalhar, desde que respeitando os preceitos da lei islâmica, a sharia.
“Todas as associações nacionais de juízas foram acionadas. Estamos muito preocupadas com essas magistradas, porque sabemos que é um regime totalitário, para além de uma ditadura. Eles controlam pensamento, as ações, as condutas, até a compreensão do lugar de cada um no mundo, ressaltou a juíza Amini Haddad Campos.
A juíza detalha que, atuando dentro do processo legal, com legislação rigorosa, que já estava vigente no país, as juízas agora se tornam mais vulneráveis. Porque aplicaram sentenças severas contra talibãs, que as desconsideram como autoridade e agora estão no comando.
“Esperamos que elas recebam ajuda, para que possam ser guardadas. Por terem atuado dentro do processo legal, hoje, a qualquer hora, podem ser mortas. Estão escondidas. Eles não aceitam a autoridade feminina, não enxergam legitimidade. Hoje elas não podem sequer pensar em atuar como juízas”, resume a juíza Amini.
Valedoitaúnas (O Globo)