Israel bombardeia alvos do Hamas, em primeiro ataque sob o novo governo
16 de junho de 2021Ataque, que ameaça trégua na região, foi uma represália ao lançamento de balões incendiários; incidentes seguem marcha nacionalista de judeus ultraconservadores
Bombardeio de Israel em Gaza atinge alvos do Hamas – Foto: Reprodução de vídeo
Aviões israelenses atacaram bases do movimento islamista Hamas na Faixa de Gaza nesta quarta-feira, primeiros bombardeios do tipo desde que o cessar-fogo que pausou o conflito do mês passado. A operação foi uma resposta ao lançamento de balões incendiários contra o território israelense, em repúdio a uma marcha nacionalista de judeus ultraconservadores vista como uma afronta por movimentos palestinos.
A violência representa um teste inicial para o governo do novo primeiro-ministro Naftali Bennett, que chegou ao poder no último domingo encabeçando uma frágil coalizão de oito partidos que vão da esquerda à extrema direita e que tem pouco em comum além da antipatia ao ex-premier Benjamin Netanyahu. Sem consenso no que diz respeito a assuntos mais controversos, prometem se concentrar em questões socioeconômicas e evitar escolhas políticas sensíveis em relação aos palestinos.
Segundo militares israelenses, os ataques atingiram complexos de armamentos do Hamas, na cidade de Gaza e na cidade de Khan Younis, ao Sul, e ocorreram após o lançamento de balões pelos grupos islamistas, que causaram 20 pequenos incêndios em campos abertos perto da fronteira. Não há relatos de vítimas de nenhum dos lados.
Explosões iluminam o céu noturno na Cidade de Gaza, enquanto as forças israelenses bombardeiam a Palestina – Foto: Mahmud Hams/AFP
Um porta-voz do Hamas confirmou os ataques israelenses e disse que os palestinos continuarão a perseguir sua "brava resistência, e defender seus direitos e locais sagrados" em Jerusalém.
O grupo lançou os balões em oposição à marcha da extrema direita, que reuniu cerca de 5 mil pessoas na Cidade Velha de Jerusalém, lugar sagrado para judeus, cristãos e muçulmanos. O temor era que o evento desencadeasse cenas de violência como as vistas no dia 10 de maio, quando uma operação da polícia isralense contra fiéis muçulmanos na mesquita de al-Aqsa deixou centenas de feridos.
Em resposta, o grupo islamista lançou foguetes contra o território israelense. Tel Aviv revidou com sua maior ofensiva contra o enclave desde 2014, em um confronto que matou mais de 270 palestinos e 12 israelenses, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas. Paralelamente, Israel assistiu às piores cenas de violência intercomunitária em décadas, com confrontos entre judeus ultraconservadores e árabes-israelenses.
Os temores, contudo, não se concretizaram por completo: houve confrontos pontuais no início da marcha, mas sem incidentes de grande escala. Antes do início do evento, a polícia entrou em confronto com manifestantes palestinos, usando canhões d’água para dispersá-los dos arredores do Portão de Damasco, a principal porta de entrada para o setor árabe da Cidade Velha de Jerusalém. Balas de borracha foram atiradas contra outro grupo que protestava na região.
Ao menos 17 pessoas foram presas e, segundo o Crescente Vermelho, outras 33 ficaram feridas. Na fronteira com Gaza, dezenas de palestinos protestaram contra o ato, e o Exército israelense feriu ao menos um manifestante após lançar gás lacrimogêneo e usar munições não letais.
Com bandeiras em punho, os ultraconservadores tradicionalmente marcham pelo Portão de Damasco e pela parte árabe da Cidade Velha, sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos, até chegarem ao Muro das Lamentações. Desta vez, no entanto, concordaram em evitar o setor árabe, percorrendo uma rota alternativa até o Muro das Lamentações.
Na internet, circulam vídeos de participantes gritando frases de ódio como "morte aos árabes" e "queimem seus vilarejos", e uma mulher teria sido agredida após levantar uma bandeira da Palestina. As demonstrações racistas foram criticadas pelo chanceler Yair Lapid, afirmando que isso "isso não é judaísmo e nem ser israelense" e que os responsáveis por gritar tais palavras são "uma desgraça para o povo de Israel".
A marcha de terça estava originalmente marcada para 10 de maio, data em que Israel comemora o Dia de Jerusalém, aniversário da ocupação do setor oriental árabe de Jerusalém durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967. À época, Israel ocupou também o Sinai (já devolvido ao Egito em acordo de paz), a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e as Colinas de Golã.
Originalmente, o evento teve seu trajeto desviado, após as cenas de violência em al-Aqsa. Após o lançamento dos foguetes contra Israel, a marcha foi cancelada.
Os organizadores haviam a remarcado para a última quinta, mas a suspenderam dias antes após a polícia vetar sua rota original – à época, o Hamas ameaçou uma nova escalada caso outras cenas de violência fossem registradas. O então premier Netanyahu, no entanto, demandou que a polícia sugerisse um novo trajeto e o apresentasse para o seu Gabinete de Segurança, que jogou a decisão para o novo governo.
Para um premier que prometia retornar antes mesmo de seu sucessor tomar posse, foi indubitavelmente uma decisão política, mirando fragmentar a nova e heterogênea coalizão.
Apesar das divergências internas, que levantam dúvidas sobre por quanto tempo o novo governo israelense perdurará, o novo ministro de Segurança Interna, Omar Barlev, decidiu manter a marcha após uma reunião com a polícia. Cancelá-la, disseram fontes do governo, deixaria a coalizão vulnerável a críticas de que teria se curvado ao Hamas.
Bennett já teria dito no passado que Israel deveria responder aos balões incendiários. O recém-empossado premier, um defensor ferrenho dos assentamentos e contrário ao Estado Palestino, está inclusive mais à direita que seu antecessor, porém não deverá ter apoio para implementar suas ideias mais controversas sem arriscar uma dissolução do governo e a convocação de eleições antecipadas, as quintas desde 2019.
A troca de farpas mais recentes entre Israel e o Hamas, apontam especialistas, não deve ganhar maiores proporções, já não houve vítimas fatais e ambos os ataques foram localizados. A tensão, no entanto, não deverá abaixar. A Suprema Corte israelense marcou para 2 de agosto o veredicto sobre o despejo de quatro famílias israelenses de Sheikh Jarrah, um bairro de maioria árabe em Jerusalém Oriental.
A decisão estava marcada para o início de maio, despertando semanas de protestos de palestinos que transformaram a região em uma panela de pressão. Outro ponto que ameaça causar discórdias entre Israel e os territórios ocupados é a escassez de água e energia em Gaza, problema que costuma a se acentuar nos meses de verão.
Na Cisjordânia, nesta quarta, uma mulher palestina foi morta a tiros por soldados israelenses após supostamente tentar atropelá-los e, em seguida, atacá-los com uma faca. O incidente é similar a outros que vêm acontecendo na região: na última quinta, as forças israelenses mataram um militante da Jihad Islâmica e outros dois palestinos em uma troca de tiros em Jenin, no norte da Cisjordânia.
No sábado, outros dois palestinos foram mortos por militares israelenses em eventos separados, um na Cisjordânia e outro em um posto militar perto de Jerusalém.
Valedoitaúnas/Informações O Globo