Governo tenta barrar compensação de R$ 72,4 bilhões a usinas
11 de abril de 2020Caso afeta indenização de mais de 290 indústrias sucroalcooleiras, que alegam que preço fixado pelo governo era inferior ao custo de produção
Decisão do STF pode impactar cofres públicos – Foto: J.F. Diorio/AE
Em um momento de desequilíbrio nas contas públicas, o governo tenta barrar um impacto de mais de R$ 72,4 bilhões aos cofres do Tesouro Nacional com um julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que discute se a atuação protecionista do extinto Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) provocou danos ao setor sucroalcooleiro.
O entendimento da Corte deve afetar os pedidos de indenização de mais de 290 usinas sucroalcooleiras, que alegam que os preços fixados pelo governo federal para o setor, entre as décadas de 1980 e 1990, seriam inferiores aos custos médios de produção levantados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Se a União for obrigada a compensar as perdas do setor, o valor será superior aos R$ 58 bilhões da recomposição feita pelo governo de parte dos salários nos casos de redução da jornada ou suspensão do contrato motivados pela crise da pandemia da covid-19. O pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 a 54 milhões de informais terá impacto de R$ 98 bilhões.
Criado em 1933, o Instituto do Açúcar e do Álcool regulava a produção das safras anuais de cana, determinava a proporção de álcool a ser desnaturado e fixava os preços de venda do álcool anidro destinados às misturas carburantes.
O caso começou a ser julgado na sexta no plenário virtual do Supremo e deve ser concluído no dia 17. O relator, ministro Edson Fachin, já votou e ficou do lado dos interesses da União. Para Fachin, é imprescindível uma perícia técnica para comprovar prejuízo em cada caso.
Cálculo
Em memorial obtido pelo jornal O Estado de S, Paulo e distribuído aos ministros do STF, a Advocacia-Geral da União (AGU) argumenta que a narrativa construída pelas empresas do setor "não guarda qualquer conexão com a realidade". O órgão sustenta que eventuais prejuízos sofridos pelas usinas sucroalcooleiras não possuem "relação de causa e efeito direta e imediata com a intervenção protecionista realizada governo" naquela época.
O processo examinado pelo Supremo foi movido pela Usina Matary, produtora de açúcar e álcool de Pernambuco, que recorreu à Corte depois de um revés no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A empresa alega que, de abril de 1986 a janeiro de 1997, sofreu danos patrimoniais provocados pela política de fixação de preços do governo, que não teria considerado fatores de custo de produção levantados pela FGV. Como o caso ganhou repercussão, o entendimento firmado pela Corte deverá ser aplicado em processos similares que tramitam no País.
Contratado pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única), o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega fez um parecer sobre o caso favorável às empresas. No documento, ele afirma que, em 1989, as usinas obtiveram liminar obrigando o governo a fixar preços seguindo recomendações da FGV.
O relato de Maílson é fiel ao que ocorreu na época por uma razão: ele era o ministro da Fazenda do governo Sarney e, por isso, coube a ele mesmo assinar o acordo com o setor sucroalcooleiro. "Era um momento em que o governo estava terminando, a inflação acelerando e o sistema de preços não estava funcionando como deveria".
O ex-ministro diz que não sabia que o acordo havia sido descumprido. "Era fim de governo, já se sabia quem era o presidente. Tudo ocorreu menos de 40 dias antes da posse (de Fernando Collor de Mello)", afirma. "O custo do governo é decorrente de uma realidade inescapável: o efeito negativo que o controle de preços produziu sobre o setor privado”.
Valedoitaúnas/Informações R7