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Governo e oposição numa frente ampla contra a Lei da Improbidade

17 de junho de 2021

Governo e oposição numa frente ampla contra a Lei da ImprobidadeO presidente da Câmara, Arthur Lira, durante sessão que aprovou mudanças na lei de improbidade – Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Não é verdade que o cenário político nacional esteja totalmente conflagrado e que não haja pontos de consenso entre direita, esquerda, centro e Centrão. Os deputados deram ontem (dia 16) ao Brasil uma impressionante demonstração de união no plenário da Câmara, em torno do novo texto da Lei de Improbidade Administrativa, apelidada “Lei da Impunidade”, para irritação do presidente da Casa, Arthur Lira.

O texto-base foi aprovado por 408 votos, fornecidos por um amplo leque de partidos. Do PT ao PSL, do DEM ao PCdoB, passando pelo MDB e pelo PSDB, todos aprovaram a nova configuração da lei. Só 67 parlamentares, do Novo e do PSOL principalmente, votaram contra.

Embora a revisão do texto fosse discutida há anos, muitas mudanças importantes foram enxertadas na lei no final da tarde da terça-feira (15) e, em oito minutos, passaram a tramitar em regime de urgência, sem sequer ter sido avaliadas pela Comissão de Constituição e Justiça ou discutidas com a sociedade.

Pouco mais de 24 horas depois, na noite de ontem, a fatura estava liquidada. Não se tem notícia de tamanha celeridade nem nas discussões sobre compra de vacinas, nem nos debates sobre o auxílio emergencial, muito menos na conflituosa privatização da Eletrobrás.

Embora o argumento em defesa das mudanças seja que a lei, como está hoje, dá margem à criminalização da política – tema que ganhou tração no Congresso depois que a Lava-Jato fez água –, o que o novo texto faz é criar uma casta de intocáveis, que terão à disposição uma série de brechas para não ter de prestar satisfação ao público ou pagar pelos danos causados por seus atos.

Segundo as mudanças propostas pelo petista Carlos Zarattini, com apoio do líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), boa parte dos atos hoje considerados improbidade administrativa deixará de ser. Dar carteirada, abusar da autoridade ao torturar um preso numa cadeia, desrespeitar a Lei de Acesso à Informação ou interferir politicamente na Polícia Federal, tudo isso deixa de ter punição, porque não está mais listado como ato ilícito na nova lei.

Casos mais graves, como desvio de recursos públicos ou enriquecimento ilícito, até tiveram aumento nas penas, mas ficou bem mais difícil punir os responsáveis. É preciso primeiro provar que as irregularidades foram cometidas com dolo ou má-fé.

Fica livre o deputado estadual cujo motorista ou faz-tudo tiver se apropriado do dinheiro dos funcionários do gabinete, ou o governante que tenha autorizado a compra de medicamentos sem eficácia para tratar doentes ou adquirido equipamentos para o combate a uma pandemia sem necessidade.

Dá para dizer que não sabia que estava errado, que não foi avisado, que não teve nada a ver com o desvio? Antes não dava. Agora, se houver qualquer dúvida a respeito, o sujeito estará liberado.

Outra mudança incluída na última hora diz que a investigação de improbidade só pode durar seis meses, prorrogáveis por mais seis. Parece razoável, uma vez que ninguém deve ser investigado para sempre. Mas, se uma apuração levar mais do que isso para quebrar o sigilo bancário de um governante e provar que ele enriqueceu à custa do dinheiro do contribuinte, não haverá mais nada que se possa fazer. Perdeu, como se diz na gíria da malandragem.

Sancionada em junho de 1992, em meio ao escândalo que levaria ao impeachment de Fernando Collor de Mello, a Lei de Improbidade Administrativa causou problemas não só ao próprio Collor (ele foi processado, mas acabou absolvido no Supremo), mas a uma série de outros políticos. Paulo Maluf chegou a perder o mandato (depois recuperou na Justiça) e foi condenado a devolver aos cofres públicos R$ 128 milhões desviados da Prefeitura de São Paulo.

A mesma lei atormenta, hoje, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, acusado de atuar em favor dos interesses de madeireiras clandestinas. Arthur Lira e Ricardo Barros também respondem a processos em razão da lei.

Quem defende a mudança sustenta que a rigidez da lei afastou da gestão pública os bons quadros, que se recusam a assumir postos importantes com medo de futuros processos. No plenário da Câmara, falou-se muito ontem em prefeitos de pequenas cidades condenados por erros formais em editais de licitação e de juízes que perseguem desafetos políticos.

Nada disso é desejável nem aceitável.

Mas usar como desculpa prefeitos do interior para passar a boiada, desfigurando a última lei eficaz no controle da corrupção, não isentará de responsabilidade os políticos que, no microfone, protestam contra o desmanche das instituições – e que, na hora de votar, ajudam a dilapidá-las. Sem controles republicanos, as democracias morrem. E, quando isso acontecer, não haverá lei a que se possa recorrer.

Valedoitaúnas/Informações O Globo



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