Governadores, prefeitos e partidos se unem contra Bolsonaro e apoiam isolamento
28 de março de 2020Na contramão de especialistas, presidente defende reabertura do comércio e de escolas
Governadores, prefeitos e partidos se uniram contra Bolsonaro e discurso de que "O Brasil não pode parar" – Foto: Carolina Antunes/PR
A elaboração pelo governo Jair Bolsonaro de uma campanha publicitária com o slogan "O Brasil não pode parar" em meio à pandemia do novo coronavírus gerou forte reação no meio político e os governos dos estados e cidades. A intenção das peças é reforçar o discurso do presidente contra o confinamento e a favor da reabertura do comércio e escolas, na contramão do recomendado pelas comunidade científica e adotado pelos estados durante a crise.
Em resposta, governadores sinalizaram com a manutenção das regras de isolamento , e partidos políticos acionaram a Justiça para impedir a veiculação da propaganda. A Frente Nacional de Prefeitos reclamou de "posicionamento dúbio" do governo, e afirmou em nota que, se o governo não esclarecer o discurso, "não restará outra alternativa aos prefeitos senão recorrer à Justiça brasileira com pedido de transferência ao Presidente da República das responsabilidades cíveis e criminais pelas ações locais de saúde e suas consequências".
Em São Paulo, João Doria destacou o fato de a adoção de quarentenas ter sido adotada em série por vários países no planeta e questionou: "Mais de 50 países estão em quarentena. É a pior crise de saúde no mundo. Quase metade da população do planeta está em casa. O mundo inteiro está errado? E o certo é o presidente Jair Bolsonaro?".
Doria disse ainda ter sido ameaçado de morte, que serão investigadas pela Polícia Civil de São Paulo, e não temer apoiadores ou os filhos do presidente.
"Não tenho medo de 01, 02, 03 e 04", disse, referindo-se aos apelidos que o próprio presidente usa ao mencionar os filhos.
"Atentado à vida"
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel , por sua vez, vai renovar o decreto que recomenda à população do Rio a ficar em casa. A medida será anunciada na próxima segunda-feira e valerá por 15 dias.
Governadores do Nordeste afirmaram que a campanha publicitária do governo pode causar mortes. "Manifestamos nossa profunda indignação com a postura do governo federal, que (...) promove campanha de comunicação no sentido contrário (das recomendações médicas), estimulando, inclusive, carreatas por todo o país contra a quarentena. Este tipo de iniciativa representa um verdadeiro atentado à vida", afirma um dos itens da carta.
Bolsonaro, por sua vez, insistiu no tema e questionou os números de mortes pela Covid-19 divulgados pelo governo de São Paulo, citando a possibilidade de estados brasileiros fraudarem dados para fazer "uso político" da questão.
"Não tô acreditando nesses números de São Paulo", declarou, em entrevista à TV Bandeirantes.
O presidente questionou também o número de mortos na Itália, citando um estudo, mas sem revelar a qual se referia. Mais tarde afirmou que 88% das mortes no país não se deviam à pandemia. O dado, porém, é que este percentual de pessoas que faleceram tinha alguma comorbidade antes de serem contaminadas pela Covid-19. Bolsonaro reconheceu que a pandemia provocará mortes, mas comparou a situação ao trânsito:
"Alguns vão morrer? Vão morrer. Lamento, lamento. Essa é a vida, essa é a realidade. Não podemos para a fábrica de automóveis porque tem 60 mil mortes no trânsito no ano", disse.
Na Justiça
Partidos políticos de oposição decidiram procurar o Judiciário para impedir que a campanha publicitária vá ao ar. O PDT protocolou uma ação popular na primeira instância da Justiça Federal do DF. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) articula medida similar, enquanto PT e PSOL e subprocuradores solicitaram procurador-geral da República, Augusto Aras, pedindo que ele acione o Supremo Tribunal Federal (STF). Ele, porém, que foi indicado por Bolsonaro, reiterou que deseja manter o Ministério Público "afastado de disputas partidárias".
Em nota, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) afirmou que o vídeo foi "produzido em caráter experimental", "para possível uso nas redes sociais", mas não chegou a ser aprovado nem veiculado em qualquer canal oficial do governo. O GLOBO apurou que a campanha já estava em produção antes mesmo do pronunciamento realizado por Bolsonaro na terça-feira (24).
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou em uma conferência com cerca de mil empresários que o Brasil poderá seguir um caminho similar ao da Itália e da Espanha.
"Do jeito das coisas estão indo, a gente corre o risco muito grande de que haja no Brasil o que está acontecendo na Itália, na Espanha e agora em Nova York".
O governo Bolsonaro sofreu ontem um revés na Justiça. Como revelou o colunista Ancelmo Gois, do GLOBO, a 1ª Vara Federal de Duque de Caxias (RJ) suspendeu a aplicação do decreto de Bolsonaro que incluiu igrejas e casas lotéricas como serviços essenciais e que, portanto, poderiam funcionar normalmente durante a quarentena. A Advocacia-Geral da União (AGU) anunciou que irá recorrer.
Valedoitaunas/Informações iG