Fim do auxílio gera desespero: “Sem doações, meus filhos passariam fome”
23 de janeiro de 2021Pagamento do benefício começou em abril de 2020 e foi encerrado em dezembro, com saques finais na próxima semana para pequenos grupos
Auxílio emergencial teve seus últimos pagamentos em dezembro de 2020 – Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo
"Só adulto aguenta porrada. É muito complicado para criança. Não sou só eu que estou sofrendo. Tenho três filhos. A gente recebe um pouco de feijão daqui, farinha dali, um frango pra comer na semana. Familiares vão ajudando. Mas, ontem, eu jantei queijo. O queijo que eu peguei fiado para vender e sobreviver", relata o vendedor ambulante Josielson Cardoso, de 33 anos.
Na semana passada, ele não conseguia parar de chorar na frente dos filhos quando lhe pediram dinheiro para comprar merenda. "É uma dor muito doída quando nossos filhos pedem e não temos o que dar. Antes a gente tinha o auxílio emergencial, mas agora acabou. E, sem as doações que a gente consegue, eles estariam passando fome".
Antes da pandemia, ele conseguia lucrar em torno de R$ 1.000 por fim de semana como vendedor ambulante de bebidas na porta de festas e boates. Mas a renda caiu a zero quando a Prefeitura de Amapá (a 300km de Macapá, capital do Estado de mesmo nome), onde mora com a família, proibiu eventos com aglomerações para evitar o espalhamento do coronavírus.
A doença infectou 1 em cada 9 habitantes da cidade de Amapá, segundo dados oficiais.
O auxílio de R$ 600, única renda da casa de Josielson em grande parte de 2020, chegou a ajudar a comprar comida, mas não bastava. As dívidas cresceram. A mulher dele passou um mês doente com Covid-19. E ele precisou vender a moto e um freezer que usava para gelar as bebidas que comercializava.
E o que era ruim ficou pior. O governo federal decidiu não prorrogar o repasse de dinheiro para quase 68 milhões de pessoas a fim de aliviar o impacto da pandemia. Então, muitas pessoas agora enfrentam fome, desemprego e inflação.
No ano passado, Amapá liderou o ranking de cidades brasileiras que mais receberam o auxílio. Das 10 cidades com mais beneficiários, 8 estão na região Norte do país e 2, no Nordeste.
Ao todo, 82% da população amaparina recebeu auxílio no ano passado. Para a prefeitura, o número surpreende e sugere três coisas: fraudes, erro de cadastro ou um contingente de necessitados fora do radar.
Amapá tem um território cinco vezes maior que a cidade de São Paulo e uma população que não chega a um milésimo da paulistana. A geração de emprego se resume ao serviço público, à pesca, à agricultura familiar e ao comércio, na maioria informal.
A dependência local de programas sociais não é novidade por lá. Segundo a secretária de Assistência Social, Liliane Dias, 40% da população já dependia de benefícios sociais antes mesmo da pandemia.
Mas Josielson faz parte de um grupo social hoje dentro de um limbo assistencial, porque não recebia benefícios antes da pandemia e acabou dependendo completamente do auxílio emergencial porque sua atividade profissional ficou inviável.
Não há sinal de melhora: o auxílio emergencial não foi renovado, os preços de alimentos e habitação estão aumentando e a pandemia de Covid-19 continua se espalhando. Muitos agora dependem basicamente de doações, como as cestas básicas distribuídas pela prefeitura.
É o caso de Wendell Silva, de 38 anos, que não consegue trabalhar desde março de 2020 porque a Prefeitura de Amapá proibiu eventos públicos com aglomeração, incluindo festas fechadas ou nas praças da cidade, como o aniversário do município.
Ele atua há 13 anos produzindo e tocando como DJ em festas e eventos que costumam reunir de 400 a 1000 pessoas em torno de música eletrônica, funk, baile da saudade ou tudo misturado.
Obeso e fumante, ele perdeu a avó e amigos para a doença em 2020. "Meu organismo não é mais de moleque, mas não tinha opção, precisei ir trabalhar em outras cidades, mesmo com o risco de ficar doente. E a gente vai se virando, grava um CD aqui e ali, vende camisa do time de futebol da cidade".
Mas a conta não fecha. O dinheiro do auxílio emergencial servia para comprar comida para a casa de sua mãe, onde mora com a mulher há anos depois de a própria casa para sua filha conseguir fazer faculdade na capital Macapá. "Sem a ajuda de minha família eu não conseguiria comer e minha filha não conseguiria mais estudar".
Ele costumava defender a decisão municipal de proibir aglomerações para evitar que o contágio por Covid-19, mas diz não compreender mais o porquê da medida ao ver tanta gente se aglomerando nas ruas e no comércio sem máscara. "Tem fila em todo canto e ninguém se protege ou se importa. Desse jeito era pra voltar as festas de vez, então. Tem um monte de família que depende delas para ganhar dinheiro e sobreviver".
Valedoitaúnas/Informações iG