Fim de manicômio judiciário deve libertar 57 pacientes no ES
11 de abril de 2024A maior parte dos crimes foi cometido contra membros das próprias famílias dos internos. Há casos de infanticídio e até canibalismo
Foto: Arte Folha Vitória
Com o fim da Unidade de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (UCTP) no Espírito Santo, 57 internos do sistema devem ser liberados, de acordo com a Secretaria de Estado de Justiça (Sejus).
A UCTP está localizada em Cariacica e atualmente abriga 52 homens e 5 mulheres. A maioria dos crimes cometidos pelos internos é de homicídio, lesão corporal, roubo e ameaça, tendo sido cometidos contra membros das próprias famílias dos internos. Há, inclusive, relatos de infanticídio e até canibalismo praticados pelos detidos.
Segundo o secretário de Justiça do Espírito Santo, Rafael Pacheco, a decisão de fechar a unidade foi tomada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base em uma lei de 2001. A intenção é tratar os internos como pacientes, não como presidiários.
"Recebemos como um comando do CNJ, que decidiu dar vazão a um mandamento legal de 2001 em que estas pessoas sejam tratadas como pacientes, não como prisioneiros. A intenção é que essas pessoas não sejam segredadas da sociedade, mas recebam tratamento médico em instituições responsáveis", afirmou o secretário.
O prazo máximo para cumprimento de encerramento das atividades da UCTP é até o dia 28 de agosto. Segundo a Sejus, por meio de nota, a secretaria já trabalha em processo de desinternação há algum tempo.
Ainda segundo a Sejus, nenhum dos internos será solto sem o devido laudo da equipe de saúde multidisciplinar informando a possibilidade da desinternação.
Os pacientes que receberem alta e tiverem familiares dispostos a acolhê-los, serão abrigados pelas próprias famílias, mas isto pode ser um desafio para alguns, de acordo com Pacheco.
O secretário explica que alguns dos pacientes estão internados justamente por crimes contra a família, o que pode dificultar com que recebam apoio familiar.
"Se ainda não aconteceu, acontecerá de alguém não receber e dizer: eu não posso receber esta pessoa, ela cometeu um crime no seio familiar. Matou o pai, ou o irmão, ou o filho", exemplifica.
Já os pacientes que forem desinternados, mas ainda precisarem de assistência, serão encaminhados para a continuidade de seu tratamento e o devido acompanhamento da equipe de assistência psicossocial, seja pela Sesa, seja pela Setades.
"Dos 57 pacientes, 28 não possuem acolhimento familiar e serão encaminhados para uma residência terapêutica junto à Secretaria de Estado e Saúde (Sesa) ou inclusiva junto à Secretaria de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (Setades), levando em consideração o diagnóstico de cada paciente", informou a Sejus por nota.
O que é a UCTP?
A Unidade de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, antes conhecida como "manicômio judiciário", é onde ficam criminosos considerados inimputáveis, ou seja, que não podem ser responsabilizados por seus atos.
Isso envolve pessoas com transtorno ou retardo mental e que não compreendem suas ações.
Atualmente, de acordo com a Sejus, a unidade é composta por quadro de pessoal constituído por policiais penais, técnicos e equipe de saúde completa (médico clínico, psiquiatra, psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, enfermeiros com assistência 24h, dentista) que atuam em consonância com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade.
Os internados recebem alimentação adequada à sua condição física, participam de projetos de educação, de oficina de beleza, horta terapêutica, musical e outros, além de possuírem assistência religiosa, praticarem atividade física, terem acesso a televisores.
Com o fim das unidades é formado um grupo de trabalho que contará com, além da Sejus, a Sesa, Setades, Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH) e Procuradoria-Geral do Estado do Espírito Santo (PGE).
O paciente mais antigo da UCTP está internado na unidade desde 1979. Ele já chegou a receber alta, mas precisou ser internado novamente.
O que diz a Sesa
A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) informou que, conforme a Resolução nº 487, de fevereiro de 2023, que estabelece a Política Antimanicomial do Poder Judiciário, a partir do dia 28 de agosto os pacientes da Unidade de Custódia e Tratamento Psiquiátrico deverão passar pelo processo de desospitalização.
Segundo a secretaria, cada caso será avaliado e os pacientes encaminhados para ressocialização familiar, residências terapêuticas ou residências inclusivas, de acordo com seu perfil clínico.
A Sesa reforçou que a reforma psiquiátrica no Brasil (Lei 10.216, de 2001), tem como marca registrada o fechamento gradual de manicômios em todo país, e que a Lei Antimanicomial, que promoveu a reforma, tem como diretriz principal a internação do paciente somente se o tratamento fora do hospital se mostrar ineficaz.
(Fonte: Folha Vitória)