Famílias quilombolas do entorno da Vila de Itaúnas protestam contra de despejo promovido pela Suzano, em Conceição da Barra, ES
25 de abril de 2025Foto: Divulgação
Famílias do Quilombo do Angelim I, localizado no entorno da Vila de Itaúnas, em Conceição da Barra, no Norte do Espírito Santo, se manifestam, na manhã desta sexta-feira (25), contra tentativa de despejo promovido pela Suzano Papel e Celulose.
Elas foram surpreendidas na sexta-feira (11), com a chegada de dois mandados de despejo expedidos por um juiz substituto, da 1° instância, em favor da empresa Suzano Papel e Celulose. As liminares abrangem 1680,40 e 806,82 hectares, ao todo 2.487,22 hectares. O juiz alegou que as famílias não seriam quilombolas, que o INCRA não teria interesse na área e deu um prazo de 15 dias para as famílias abandonarem suas casas.
A decisão pode deixar cerca de 200 famílias do território quilombola Sapê do Norte sem moradia, sem fonte de sustento e renda. Ao contrário do que afirma o documento, não há barracos de lona ou acampamento no local, mas uma comunidade consolidada, com casas construídas, plantações vigorosas e um amplo trabalho de reflorestamento e cuidado ambiental que ressuscitou as águas de córregos e alagados, antes ressecados pela monocultura do eucalipto.
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Os milhares de hectares ameaçados se confundem com o território protegido pela ação civil pública originária (nº 0000693-61.2013.4.02.5003 e 0104134-87.2015.4.02.5003), cujas matrículas das terras estão suspensas, aguardando a ação do INCRA para publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) e a titulação das famílias originárias. Ou seja, há uma sobreposição de processos e um atropelamento das instâncias jurídicas, forçado pelo interesse da empresa em expandir o monocultivo de eucalipto sobre as áreas retomadas.
A Suzano adquiriu as áreas de eucalipto da Fibria, antiga Aracruz Celulose, que foi instalada na região durante a ditadura militar se aproveitando do incentivo fiscal dado à empresa (Lei n.º 5.106/66.127, de 02 de setembro de 1966, em vigor). Ou seja, tal exploração não se converte em nada de impostos para o Estado.
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Também não gera empregos, nem benefícios ambientais. São 61 mil hectares de eucalipto plantados no município, 37.74% da área total de Conceição da Barra, gerando apenas 71 empregos. Ao todo o Espírito Santo tem cerca de 250 mil hectares de eucalipto plantados, mas a Suzano insiste em avançar sobre o território indígena e quilombola.
Desde 2002, a CPI da Aracruz Celulose comprovou as violações cometidas pela empresa com a conivência e o incentivo do Estado do Espírito Santo. As terras devolutas onde viviam as comunidades tradicionais de indígenas, posseiros e remanescentes dos quilombos eram reivindicadas por grileiros, os próprios funcionários da empresa. Após obter a terra, ela era imediatamente repassada para a Aracruz, assim os mais de 50 quilombos presentes no território Sapê do Norte foram encurralados em meio ao deserto verde.
Há cerca de 15 anos, as retomadas nestas áreas foram realizadas quando a empresa de celulose se chamava Fibria. A posse destas áreas, portanto, nunca esteve em mãos da Suzano Papel e Celulose. Ao adquirir a Fibria, a Suzano comprou os crimes do Estado militar sobre o território e a população quilombola do Sapê do Norte.
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Em 2021, houve um despejo de centenas de famílias invasoras do território, organizadas por grupos bolsonaristas que vendiam terras. A ilegalidade foi denunciada pela associação das famílias quilombolas. Na ocasião a própria Suzano declarou que iria “resguardar as comunidades quilombolas que estejam em luta pela retomada, reconhecimento, certificação e titulação de seu território tradicional”.
Porém, as famílias originárias, que também foram atingidas pelo crime ambiental da Vale/Samarco/BHP, continuam tendo seus modos de vida ameaçados pela escassez de peixes, a contaminação por agrotóxicos, a infestação de cupins, o desmatamento, a extinção da biodiversidade, a degradação e a desertificação da terra. Além de serem vigiadas por drones e perseguidas dentro de casa, tendo a privacidade invadida pela empresa. À exemplo do que aconteceu quando chegaram as liminares, quando o oficial de justiça, acompanhado do entreposto da Suzano entrou na casa de uma das moradoras sem permissão, fotografou e registrou tudo.
Ao mesmo tempo, a morosidade do INCRA em realizar a titulação do território e as influências políticas dentro da Fundação Cultural Palmares bloqueiam a efetivação das políticas públicas de direitos da população, reforçam o racismo institucional e impedem o acesso aos direitos básicos, como educação, instalação de água, energia e saneamento básico nas casas.