Empresa cava buraco com 2 metros de profundidade para impedir acesso de quilombolas à fazenda no PA
13 de fevereiro de 2022Tensão em área controlada pela empresa ocorre desde a reocupação de quilombolas no último domingo (6)
Agropalma faz barricada para aumentar bloqueio entre quilombolas e fazenda no Pará. – Foto: Reprodução/Associação dos Remanescentes de Quilombos Comunidade da Balsa, Turiaçu, Gonçalves e Vila Palmares do Vale do Acará
O bloqueio do acesso de quilombolas à fazenda "Roda de Fogo", área controlada pela Agropalma S.A., empresa fornecedora de óleo de palma no Pará, foi acirrado nesse sábado (12), segundo moradores da Vila Palmares, no Acará, nordeste do estado.
Imagens feitas pelos quilombolas mostram uma barricada, com cerca de 2 metros de profundidade, cavada com ajuda de retroescavadeiras, no entorno da vila, para impedir que quilombolas acessem à área, onde a empresa cultiva plantações de dendê.
Vigilantes armados permanecem nos acessos à estrada. Caçambas foram deixadas atravessadas. Por estrada, a distância entre a referida área e a comunidade quilombola Vila Palmares, é de 12 km. O transporte agora só pode ser feito em pequenas embarcações -
viagem que dura cerca de três horas pelo rio Acará.
O território é o mesmo onde as comunidades quilombolas foram expulsas no fim da década de 1980 e onde mantém um cemitério, na divisa de Tailândia e Acará. Anualmente, os quilombolas enfrentam seguranças patrimoniais da empresa para ir até o local para fazer a limpeza e celebrar o Dia dos Finados.
Quilombolas realizam limpeza de cemitério que fica dentro de área controlada pela Agropalma no Pará, em outubro de 2021 – Foto: Reprodução/Associação dos Remanescentes de Quilombos Comunidade da Balsa, Turiaçu, Gonçalves e Vila Palmares do Vale do Acará
Mas, desde domingo (6), cerca de 70 remanescentes de quilombo decidiram reocupar a área da fazenda, que teve matrícula cancelada em 2018 pela Justiça devido a registros imobiliários fraudulentos, constituídos por grilagem de terras, conforme entendeu a Justiça, a partir de ação do Ministério Público do Pará (MPPA).
O grupo, no entanto, se deparou com seguranças armados, encapuzados, além de escavadeiras e contêineres para impedir a ocupação. Segundo eles, o conflito, portanto, é gerado pois a destinação da área ainda não foi definida pelo Instituto de Terras do Pará (Iterpa).
Os novos bloqueios são às margens da rodovia PA-150. Moradores gravaram vídeos mostrando o local - veja abaixo.
"É uma vala enorme, é perigoso, vai acumular água, mosquito da dengue, se alguém cair aqui, só consegue subir de escada. Isso para mim que é um crime ambiental", afirma um dos quilombolas, que teve a identidade preservada.
Segundo a Agropalma, os "quilombolas estão promovendo crimes ambientais". O argumento foi apresentado à Justiça, e o juiz da 1ª Vara Cível e Criminal de Tailândia, nordeste do Pará, determinou, em caráter de urgência, que a Polícia Militar atue e investigue quilombolas que estão acampados na reserva.
No entanto, nesse sábado (12), a Justiça, após um recurso da Defensoria Pública do Estado em segunda instância, suspendeu a determinação judicial.
A Agropalma disse, em nota, que "confia que a Justiça reconheça a ilegalidade da ação de ocupação de uma área da empresa, iniciada no último domingo (6) por um pequeno grupo de pessoas" e que "nunca impôs e nem imporá qualquer ação que implique em violência física".
Sobre o bloqueio à área, a Agropalma afirma que "as medidas tomadas até o momento possuem o objetivo de evitar novas invasões e um possível conflito, preservando a segurança de todas as pessoas envolvidas".
Em relação à acusação de crimes ambientais, a empresa alega que "cumpriu sua obrigação de denunciar as ações que estão sendo praticadas", apontando e divulgando imagens de onde, segundo a empresa, os quilombolas teriam derrubado árvores.
Na área ficam o cemitério, antigo salão de festas, escola e um campo de futebol da comunidade, desde antes da expulsão há 40 anos.
Área dentro de fazenda controlada pela Agropalma, onde quilombolas iniciaram acampamento – Foto: Reprodução/Agropalma
Os quilombolas disseram que apenas retiraram mato para montar acampamento. Para Joaqui Pimenta, presidente da Associação dos Remanescentes de Quilombos Comunidade da Balsa, Turiaçu, Gonçalves e Vila Palmares do Vale do Acará, a ação da empresa é uma tentativa de reintegração de posse.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) disse que "a decisão judicial oficia as Polícias Civil e Militar para que seja feita a averiguação de existência de crime ambiental para investigação" e que "já existe uma audiência de conciliação marcada pela Vara Agrária de Castanhal e a Policia Militar".
A Polícia Civil, por meio da Divisão Especializada em Meio Ambiente e Proteção Animal, informou que também irá diligenciar no local para apuração de crime ambiental, conforme pedido da Justiça.
Já o Iterpa disse, em nota, que "reuniu em dezembro do ano passado com o Ministério Público e a associação quilombola para discutir as demandas do grupo".
"No dia 9 de fevereiro foi enviado um ofício à Defensoria Pública, Ministério Público Agrário e a associação comunicando que uma equipe do Iterpa iria no próximo dia 17 de fevereiro no local para realizar o levantamento da área preterida pelos quilombolas", diz o órgão.
Imagem mostram tensão em área ocupada por quilombolas no Pará – Foto: Reprodução
Entenda o caso
A ocupação da reserva iniciou no último domingo (6). Desde então, há clima de tensão no local.
Por ordem da Agropalma, foram enviadas ao local do acampamento retroescavadeira e contêineres para bloquear área reocupada por remanescentes de quilombo. Empresa alega que o espaço foi invadido.
A empresa Agropalma S.A. se tornou alva de duas ações judiciais, após quilombolas serem encurralados. As ações são da Defensoria Pública do Estado e do Ministério Público do Pará (MPPA), ajuizadas na quinta-feira (10).
A terra em questão, no entanto, agora pertence ao Estado, de acordo com decisão de primeira e segunda instâncias do Tribunal de Justiça do Pará. Para os quilombolas, o acampamento é uma tentativa de retomada do território do qual eles foram expulsos na década de 1980, “devido ao monocultivo de dendê da empresa Agropalma”.
Após ação do Ministério Público do Pará (MPPA), as propriedades tiveram matrículas canceladas por decisão judicial em 2018, ou seja, passaram a pertencer ao Estado, mas segundo a Defensoria do Estado (DPE), "há inércia do Estado em dar destinação às terras".
De acordo com o MPPA, à época da decisão, "as áreas teriam sido alienadas com base em documentos falsos emitidos por cartório inexistente e por pessoas sem habilitação para tanto".
A Polícia Federal investigou o caso e prendeu três suspeitos de participação no esquema. O processo ainda segue na Justiça Federal.
“Essa questão foi solenemente ignorada. Há decisões em primeira e segunda instância do próprio TJPA que determinaram o cancelamento de registros imobiliários fraudulentos constituídos mediante grilagem de terras. As decisões abrangem as fazendas Roda de Fogo (12.793 hectares), Castanheira (10.181 hectares) e Porto Alto (35.000 hectares), todas controladas pela Agropalma”, pontua Elielson Silva, pesquisador do Naea/UFPA, da Universidade Estadual do Maranhão e do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia.
"Com certeza absoluta ali só viviam da agricultura, e agora estamos retornando para onde é a nossa origem. Nós nascemos naquele lugar. Fomos criado ali, né? Nós não estamos invadindo nada de ninguém", afirma Joaquim Pimenta.
O que diz a empresa
Após os moradores denunciarem que foram encurralados pelos funcionários, a empresa Agropalma disse, em nota, que "não impede a circulação de comunidades locais pelas áreas de servidão que estão insertas em suas posses e propriedades".
"A Agropalma esclarece que nunca impôs e nem imporá qualquer ação que implique em violência física. Os equipamentos utilizados pelos seguranças são compatíveis com a atividade de proteção dos colaboradores e do patrimônio da empresa e estão em conformidade com a legislação vigente. Os vigilantes fazem uso de lenço tático como acessório de proteção em matas a fim de protegê-los contra insetos e eventuais cortes, comuns nesse tipo de ambiente", ainda diz em nota.
Ainda segundo a nota, "a empresa sempre acreditou na resolução institucional de conflitos, e seguirá optando por este caminho, por entender que sua posse, constituída há mais de quinze anos de forma pacífica neste imóvel específico, está sendo ilegalmente violentada".
Valedoitaúnas (g1)