Empregada forçada a rezar ‘Pai-Nosso’ recebe indenização de R$ 10 mil
13 de outubro de 2022Entre as situações relatadas, a profissional apresentou fatos ligados à discriminação religiosa e agressão física
Trabalhadora era obrigada a rezar o “Pai-Nosso” antes da jornada de trabalho – Foto: shutterstock
A Justiça do Trabalho determinou o pagamento de indenização de R$ 10 mil à ex-empregada que relatou diversas circunstâncias de assédio moral no trabalho. Entre as situações relatadas, a profissional apresentou fatos ligados à discriminação religiosa, agressão física, discriminação pelo estado gravídico, exposição de lista de atrasos e faltas e, ainda, uma intimidação com o objetivo de dificultar o ajuizamento de ação trabalhista.
A decisão é dos desembargadores da Décima Primeira Turma do TRT-MG, que mantiveram, sem divergência, a sentença proferida pelo juízo da 16ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.
A ex-empregada contou que os problemas na empresa pioraram nos últimos dois anos de trabalho. Segundo ela, a relação de emprego tornou-se insuportável, já que passou a sofrer constante assédio moral da diretora do estabelecimento. “Esse foi, inclusive, o motivo do pedido de demissão”.
A profissional informou que não é adepta à crença religiosa. Contudo, explicou que todos os empregados eram obrigados a rezar antes do início da prestação de serviço na empresa. “Acontecia que, antes de iniciar o dia de trabalho, a diretora reunia os colaboradores e os obrigavam a participar de um momento chamado: Reza do Pai-Nosso”.
A trabalhadora falou que se sentia constrangida em professar uma fé que não acreditava. Relatou, inclusive, que já chegou atrasada à empresa para evitar o momento da “Reza do Pai-Nosso”. Porém, a diretora dirigia a ela com xingamentos, ofendendo o caráter e ameaçando diminuir o valor da comissão.
Além disso, alegou que, desde o momento que comunicou a gravidez, começou a sofrer mais perseguições. A gravidez foi de alto risco e, segundo a profissional, sempre que entregava um atestado médico, a diretora a assediava moralmente com xingamentos e gritos. Em uma ocasião, ela disse para a trabalhadora que “gravidez não é doença”.
A trabalhadora também relatou uma situação de agressão física por parte da diretora. E ainda o costume da diretora de expor os empregados que chegavam atrasados. “A atitude era de envergonhar, constranger e humilhar os empregados diante de todos da empresa”. Por último, explicou ser coagida pela diretora a não ajuizar processo trabalhista.
Defesa
Na defesa, as duas empresas reclamadas no processo negaram os fatos. As empresas atuam no ramo atacadista de produtos para saúde, fazem parte do mesmo grupo econômico, tendo sido condenadas solidariamente ao pagamento das parcelas devidas à trabalhadora.
Para a defesa, a profissional tentou a todo custo ser dispensada imotivadamente para receber um valor alto de indenização. “Isso não ocorreu, tendo em vista que a empresa sempre foi extremamente tolerante com os erros e abusos cometidos, solidarizando-se com os problemas de saúde que a ex-empregada vinha sofrendo somados à gravidez. Como a estratégia ardilosa da trabalhadora não se concretizou, ela resolveu pedir demissão, pois já não queria mais trabalhar”, alegou a defesa.
Decisão
Porém, ao decidirem o recurso, os desembargadores da Décima Primeira Turma do TRT-MG deram razão à trabalhadora. Segundo a desembargadora Juliana Vignoli Cordeiro, relatora, o áudio juntado ao processo mostra a repreensão da preposta da empresa pela ausência da trabalhadora no treinamento ocorrido. Em um trecho, é possível ouvir a chefe dizer as frases: “depois que você ficou grávida, você ficou desinteressada com o negócio da empresa”, “gravidez não é doença para ninguém” e “não acha que gravidez é seu meio de vida”.
Pelo áudio, a julgadora reconheceu ainda que a diretora intimidava os empregados, fazendo alertas sobre supostas “desvantagens do ajuizamento de ações contra a empresa”. “Verifica-se que, na reunião dos empregados, a representante da empresa destacava que aqueles que ajuízam ação estão saindo devendo”, pontuou a julgadora.
Liberdade de crença
Tendo em vista o conjunto da prova produzida, a magistrada entendeu que a trabalhadora logrou provar as circunstâncias de assédio narradas. Segundo a desembargadora, o depoimento de uma testemunha apontou a ocorrência de todas as circunstâncias, afirmando, inclusive, a obrigatoriedade de participação na oração.
Para a julgadora, a Constituição é expressa ao garantir, no seu artigo 5º, VI, que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos. “A liberdade religiosa deve ser respeitada, devendo ser considerada a opção do trabalhador de cultuar e também de ser ateu ou agnóstico, não podendo a religião servir como instrumento de opressão a ser usado pelo empregador”.
Direito de ação
Segundo a magistrada, a Convenção 111/58 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, estabelece a supressão de toda discriminação contra trabalhadores. “Também o exercício do direito de ação está assegurado no artigo 5º, XXXV, da Constituição, sendo certo que a intimidação ao ajuizamento de ação caracteriza abuso do poder diretivo, violando o próprio princípio da dignidade do ser humano”, ressaltou.
Para a desembargadora, evidenciada a ofensa aos princípios e normas destacados, de modo a configurar o assédio moral à empregada, é devida a indenização pelo dano moral daí advindo (artigos 186 e 927 do CC). Ela negou, então, provimento ao recurso da empregadora, mantendo a condenação imposta de R$ 10 mil, que deverão ser pagos solidariamente pelas duas empresas que fazem parte do mesmo grupo econômico. O processo já está em fase de execução.
Valedoitaúnas (iG)