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Em meio à crise, jovens querem casar, ter carros e casa própria

23 de julho de 2022

Jovens estão em busca de estabilidade

Em meio à crise, jovens querem casar, ter carros e casa própriaJovens sonham em casar e ter a casa própria – Foto: Reprodução

Jovens brasileiros que nasceram ou cresceram em um cenário de recessão econômica e precisaram lidar precocemente com um mundo cada vez mais tecnológico passam por uma onda conservadora. Uma pesquisa do HSR – Specialist Researchers revela que a geração Z - nascida entre 1995 e 2010 – volta a se preocupar em preservar tradições e a conquistar bens materiais como casa e carro próprios. As razões para as respostas inusitadas para as entrevistas feitas em várias regiões do país podem estar na mistura de agravamento da atual crise econômica e escalada conservadora do país.

A pesquisa de opinião ouviu mil pessoas entre 18 e 65 anos. As investigações iam desde os valores mais estimados pelos brasileiros até os desejos de consumo de diferentes grupos sociais, mas o que chamou mesmo a atenção foi a conclusão sobre o que pensam os jovens adultos de até 25 anos. Em tempos de poliamor, o casamento formal ainda faz parte do sonho da maioria deles (57%), embora as motivações não sejam necessariamente românticas. É o caso da estudante de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) Beatriz Carvalho, de 21 anos, que vê na união matrimonial uma garantia de estabilidade.

"Eu gostaria de ter a segurança da partilha de bens e comunhão parcial, além de saber que a pessoa poderia se responsabilizar por mim caso eu venha a ficar doente e tenha um problema de saúde. Os desejos mais tradicionais que eu tenho são o de adquirir uma casa própria e casar no papel. Acho isso importante para a aquisição dos meus direitos pessoais no futuro", disse ela, que atualmente trabalha como professora assistente em um colégio particular.

Mas Beatriz não é a única. A pesquisa feita pela empresa, que fez as entrevistas nas principais capitais brasileiras, mostra que a maioria dos jovens tem uma percepção de casamento à moda antiga. Seis em cada 10 entrevistados da geração Z pretendem casar de “papel passado” “o percentual é o mesmo de quem tem 61 anos ou mais. Para eles, mesmo que o mundo contemporâneo acolha muitos formatos para os relacionamentos, a família é vista como um dos principais valores (60%), e o amor permanece sendo o sentimento mais estimado (63%). Em outras faixas etárias, o percentual deste último é semelhante (62% entre 26 e 40 anos; 60% entre 41 e 60 anos e 52% acima dos 61 anos).

"Eu gostaria de casar no máximo com 30 anos”, disse a administradora Isabele Madureira, de 22 anos, moradora de São Paulo. “Meus pais estão juntos há 37 anos e são muito felizes, então eu sempre tive influência de casais que não se separaram. Acho que isso depende muito das questões familiares e da influência que você tem dentro de casa", relatou.

Para quem não sonha com o casamento formal, as configurações de união são variadas. Cerca de 19% dos jovens dizem que gostariam de morar junto com o parceiro, enquanto que entre as pessoas com 26 e 40 anos a porcentagem sobe para 23%. Já uma relação estável, mas com cada um morando em casa separada, recebe mais aceitação entre as pessoas acima de 61 anos – 27% deles possuem este plano, ao passo que, para os mais novos, o número cai para 8%. O poliamor também não é tão popular, apesar de ter maior aceitação entre os jovens, com 8%, seguidos pelos entrevistados com mais de 61, com 4%.

Busca pela estabilidade

O estudo da HSR analisou pessoas das classes A, B e C, ficando de fora, por exemplo, famílias cuja renda seja inferior a R$ 1.734. Mesmo numa camada social mais favorecida, os entrevistados relataram sentir medo das incertezas do futuro, e questões como os benefícios da previdência social estão na pauta de prioridades desde cedo. Para a analista de relações governamentais Gabriela Andrelino, de 25 anos, o momento político e econômico do Brasil é nebuloso e já tem gerado preocupação com a aposentadoria.

"Infelizmente temos visto uma dificuldade para as pessoas sobreviverem e terem o mínimo. Isso é uma ansiedade minha, porque envelhecer no Brasil é muito difícil, e já temos que pensar nisso com 20 e 30 anos, uma vez que o mercado de trabalho fica cada vez mais escasso. Quando você tem a estabilidade de um emprego público, casa e carro próprios, consegue envelhecer com um pouco mais de estabilidade", afirmou Gabriela.

Um dos aspectos em que os jovens menos se assemelham às gerações anteriores, porém, diz respeito à saúde mental. Para quem tem entre 18 e 25, o assunto é o segundo mais valorizado (47%), perdendo apenas para a família. Entre os mais velhos, acima de 61 anos, a questão é prioridade para 36%. Já para a geração de 26 a 40, depois da família, o mais é estimado é a segurança financeira (44%) e, entre os com mais de 41 anos, é a saúde física (38%).

Um país de tradições

A paulista Rhannya Moreira, de 21 anos, diz que tem “todos os desejos mais tradicionais”, como casa e carro próprios, casamento e filhos. Apesar de ter uma família unida atualmente, ela conta que nem sempre foi assim, e que por muito tempo acreditou que não gostaria de estabelecer laços com um parceiro pois, segundo ela, presenciou uma união conturbada entre os pais. A religião, nesse sentido, foi uma grande fonte de apoio na construção dos próprios ideais.

"Eu nasci em um berço cristão. Sempre fui para a igreja e discuti como a família é importante. Mas só recentemente eu decidi que quero casar e ter filhos. Meus pais tiveram um casamento conturbado, e eu pensava que não queria ter filhos para que eles não vivessem as coisas pelas quais eu passei", contou.

Para o antropólogo e professor da PUC-Rio Bernardo Conde, a ideia de uma geração mais jovem que ainda compartilha códigos e valores com as anteriores pode ser justificada pelo próprio caráter conservador da sociedade brasileira. Segundo ele, não é possível analisar os dados da pesquisa sem considerar a influência das religiões predominantes no país, em que ideais como família e segurança são reproduzidos e incentivados.

"Temos que ter em mente que o Brasil tem uma sociedade majoritariamente conservadora e religiosa. Em toda a sua estrutura há a ideia de família e segurança. Mas, se a pesquisa investigasse mais a fundo as camadas médias urbanas das grandes cidades, o percentual poderia ser diferente, pois a crença em relações mais fluidas, em que o casamento não é para sempre, tem crescido também", disse.

Sonhos adiados

O macapaense Luan Rodrigues, de 21 anos, acredita que existe uma mudança de mentalidade entre as gerações, e desejos como casamento e filhos não ocupam mais protagonismo no planejamento dos mais jovens, o que, para ele, não significa necessariamente que seja algo negativo. Apesar disso, ele diz que tem vontade de construir uma família e ter os próprios bens, como casa e carro, mas que a transição para a independência tem sido mais difícil no contexto atual.

"Nem todo mundo deseja casar e, às vezes, nem todos desejam sair da casa dos pais. Hoje, o casamento não precisa ser feito em papel, e nem sempre você precisa encontrar uma pessoa para ser feliz. Mas acho que o contexto político e econômico de hoje dificulta para quem tem vontade de realizar esses sonhos. Em um momento de crise, é preciso pensar duas ou três vezes antes de tomar qualquer atitude, e os sonhos precisam ser um pouco adiados", disse Luan Rodrigues.

Conservadorismo no consumo

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma a cada oito pessoas têm entre 18 e 25 anos no país, o que indica que este é um segmento influente no mercado. No que diz respeito à moradia, por exemplo, a pesquisa feita pela HSR mostrou que 72% dos jovens possuem interesse em comprar um imóvel, e 85% desejam viver em grandes centros urbanos. A ideia de habitar no interior é mais valorizada por pessoas acima de 60 anos, com cerca de 60% de intenção.

De acordo com Karina Milaré, sócia-diretora da HSR, as empresas devem manter um olhar cauteloso durante a avaliação dos anseios de cada geração. Para ela, o estudo indicou que ideias pré-concebidas não dão conta da complexidade do comportamento da população.

"Os mais novos têm, claro, hábitos que se diferenciam, como uma maior habilidade para lidar com serviços digitais. Mas a grande maioria dos jovens ainda reproduz expectativas que não são tão diferentes das gerações anteriores. Quando falamos de casamento, são outras configurações, mas os valores do amor e da união permanecem fazendo parte", disse Karina Milaré.

Valedoitaúnas (iG)



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