Em 130 cidades, foram registrados mais eleitores do que habitantes no pleito de 2020
21 de dezembro de 2020A diferença entre a população estimada pelo IBGE e a quantidade de votos registrados pelo TSE causa estranheza, mas tem explicações simples
Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles
Nas eleições municipais deste ano, 130 cidades tiveram mais pessoas votando do que habitantes estimados pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). A primeira vista, o contraste entre os dois dados parece indicar apenas um cálculo errado, mas a discrepância nos números tem um impacto concreto.
A diferença entre os dois dados muitas vezes é utilizada por municípios para tentar obter na justiça a revisão da população estimada pelo IBGE – com o objetivo de obter mais recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Confira a seguir uma lista com o nome das cidades que tiveram mais eleitores do que habitantes estimados:
Cidade UF Quantidade de votos População
Altamira do Paraná PR 2823 1682
Amparo PB 2333 2251
Aracitaba MG 2202 2059
Arapuá MG 2843 2835
Arco-Íris SP 1998 1773
Arenópolis GO 2874 2536
Aroeiras do Itaim PI 3082 2551
Avelinópolis GO 2767 2409
Barcelona RN 4065 3994
Bias Fortes MG 3332 3329
Bocaina PI 4629 4505
Bodó RN 2862 2197
Bom Jesus PB 2610 2575
Bom Progresso RS 2121 1899
Borá SP 909 838
Apesar do estranhamento, o fato tem uma série de explicações que passam desde as diferenças entre as duas bases de dados até limitações metodológicas.
O IBGE calcula a população das 5.570 cidades brasileiras por meio do Censo. A pesquisa realizada de dez em dez anos fornece o dado mais preciso que existe no Brasil. Entre uma década e outra, calcula-se como a população de cada município variou e, sem seguida, projeta-se como mudou a demografia nas unidades da Federação.
“Essa projeção é feita duas vezes a cada dez anos. Para chegar ao número, considera-se dados do último Censo nos quesitos nascimento, morte, migração. Os pesquisadores realizam o cálculo pela primeira vez dois anos após o Censo e novamente depois de cinco anos”, explicou a demógrafa do IBGE Izabel Marri.
A partir daí, o IBGE leva em conta a tendência demográfica dos dois últimos censos para estimar quantas pessoas vivem em cada estado. “A projeção não é feita para cada município porque não há dado com qualidade suficiente – eles são muito incompletos. Quanto menor a área geográfica, mais sensível são as informações coletadas. A projeção para as 27 UFs é um trabalho incrível, descer isso para cada município não seria nada trivial”, apontou Marri.
A medida que nos afastamos da data de realização de um censo – o último foi em 2010 –, a estimativa fica mais suscetível ao erro. Isso porque algum evento econômico ou desastre pode acontecer em uma cidade, mudando a dinâmica anterior de evolução da população.
“A construção de uma usina hidrelétrica, por exemplo, muda a dinâmica de municípios muito pequenos. O fechamento de refinaria de petróleo também pode causar a evasão da população de um município porque não há mais emprego”, explicou Marri. Entre todos os casos das cidades com mais eleitores do que habitantes estimados, a maior é Nazária (PI), com 8,6 mil habitantes estimados pelo IBGE.
Além do problema no cálculo da estimativa, um outro ponto é muito importante: as pessoas que votam em um município não necessariamente moram nela. Os brasileiros não são obrigados a informar a Justiça Eleitoral mudanças de cidade. Assim, é possível ter um título de eleitor cadastrado em um local e viver em outro.
A discussão pode parecer uma mera curiosidade, mas a estimativa populacional do IBGE é utilizada para calcular quanto cada cidade deve receber do FPM. O fundo é montado com parte da arrecadação de diversos tributos e os redistribui para as cidades brasileiras. A ideia é diminuir a desigualdade entre as cidades com uma economia mais dinâmica e que, portanto, arrecada mais impostos, do que as mais pobres, que não recebem tantos recursos.
Uma série de fatores define o quanto cada cidade vai receber e o mais importante é a população do local. O FPM tem 18 faixas populacionais. Passar de uma para a outra entre duas estimativas do IBGE significa mais ou menos dinheiro para a cidade. Em muitos casos, o FPM é de longe a maior fonte de receita para a cidade.
Assim, na busca por mais recursos do FPM, algumas cidades entram na justiça pedindo uma revisão da estimativa feita pelo IBGE. Um argumento utilizado nesses casos é o da diferença entre a quantidade de pessoas votando e na população estimada. Quando elas tem ganho de causa, o Judiciário define uma população judicial, fixando a faixa na qual a cidade está no FPM. Hoje, 12 cidades estão nessa situação.
Valedoitaúnas/Informações Metrópoles