Doenças, sujeira e castigos físicos: a transtornada vida nas caravelas
22 de junho de 2020O cotidiano difícil daqueles que viajaram em pequenos barcos do Atlântico até as Américas
Exemplo de caravela portuguesa – Foto: Wikimedia Commons
Apesar de ter sido embarcados nelas que os navegadores do século 16 fizeram a civilização ocidental crescer até o tamanho que tem hoje, pouco se sabe sobre como eram as caravelas que cruzaram o Atlântico até as Américas. O certo é que eram barcos bem menores do que costumamos imaginar e que a tripulação enfrentava um dia a dia de trabalho exaustivo, comia mal, dormia ao relento e convivia com ratos, baratas e um porão alagado e poluído com dejetos humanos.
Pau para toda obra
Os aprendizes ou grumetes tinham entre 17 e 20 anos. Faziam os trabalhos mais difíceis e perigosos. Subiam até o cesto de observação no mastro principal; estendiam e recolhiam as velas; e eram encarregados de acionar as bombas que retiravam a água fedida do porão.
Velas infladas
As caravelas que levaram Pedro Álvares Cabral, na Descoberta do Brasil, tinham três ou quatro mastros e até 25 m de comprimento por 7 m de largura.
Imagem meramente ilustrativa de uma caravela – Foto: Divulgação / Pixabay
Vazamento constante
Como toda embarcação da época, as caravelas estavam sempre fazendo água. Para evitar o naufrágio, a água era constantemente retirada por bombas manuais, acionadas sem interrupção. Era o trabalho mais exaustivo a bordo.
Porão nojento
À água estagnada no porão se misturavam fezes, urina e vômito dos tripulantes, que sofriam com enjoos e, enfraquecidos, não tinham forças para subir até o convés. Piolhos, ratos e baratas completavam o cenário. O cheiro, contam as crônicas da época, era repugnante.
Jornada exaustiva
O trabalho da tripulação – levantar e baixar velas, vigiar o horizonte, bombear água do porão, pescar, vigiar o tempo, sol e estrelas – era dividido em turnos, em geral de quatro horas. Dormia-se pouco, portanto.
Item fundamental nas provisões, os biscoitos eram uma massa de farinha de trigo e água assada quatro vezes, o que os deixavam tão secos e duros a ponto de resistir por anos sem deteriorar. Para comê-los era preciso umedecê-los com água do mar. O prato do dia a dia era composto de charque, peixe e biscoitos do mar. Era comum racionar alimentos.
Dentro de uma caravela – Foto: Divulgação/Pixabay
Trabalho infantil
O cargo mais baixo era o dos auxiliares, ou pajens. Tinham entre 8 e 15 anos. Lavavam o convés, recolhiam restos das refeições e faziam trabalhos gerais. Os auxiliares de origem pobre faziam trabalhos mais duros e não tinham perspectiva de progredir; os de “boas famílias” eram protegidos do capitão e tinham a vida mais leve.
Escorbuto
A mais mortal doença a bordo. Os sintomas eram cansaço, manchas na pele e sangramento nas mucosas e gengivas, que inchavam e cheiravam mal. Os dentes caíam. O doente tornava-se cada vez mais fraco, não conseguia andar e morria com grande sofrimento.
Castigos cruéis
O capitão tinha poder de vida e morte sobre a tripulação. As punições eram duras. O mais comum eram chicotadas. Roubar comida rendia 99 golpes. Havia penas maiores: o “strappado”, em que a pessoa era dependurada no teto pelos pulsos, com os braços para trás; a “toca” consistia em cobrir a boca com um pano e jogar água sobre a cabeça da vítima, que se sentia afogar. Motins eram punidos com a morte.
Valedoitaúnas/Informações AH/UOL