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Discussão no TSE coloca em risco liberdade de expressão nas igrejas

22 de julho de 2020

Ministro Edson Fachin defende proibição da citação a candidatura em templos ao sugerir criação da figura do abuso de poder religioso

Discussão no TSE coloca em risco liberdade de expressão nas igrejasTSE pode punir igrejas e criar insegurança jurídica – Foto: José Cruz/Agência Brasil

O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Edson Fachin defende uma mudança na lei que pode colocar em risco a liberdade de expressão nos templos e igrejas de todo o país. Essa é a visão não só de entidades religiosas, mas também de advogados ouvidos pelo R7.

Em voto lido em sessão virtual no dia 25 de junho, Fachin sugeriu a ampliação do conceito de abuso de poder na eleição, hoje restrito a econômico (compra de votos, por exemplo) e político (uso da máquina pública em prol de uma candidatura). Para o ministro, deve ser considerada crime a defesa de candidatos em igrejas. Ele também quer que pastores e demais líderes religiosos sejam obrigados a deixar suas atividades durante a campanha.

Na visão do ministro, é necessário impor limites às atividades eclesiásticas "dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade", disse ao ler seu relatório sobre o julgamento de uma ação que pede a cassação da vereadora de Luziânia (GO) Valdirene Tavares (Republicanos), pastora da Assembleia de Deus acusada de usar sua posição para promover a candidatura.

No caso em questão, o relator Fachin votou contra a cassação da vereadora, mas aproveitou para defender a criação da figura jurídica do abuso de poder religioso.

Até o momento ocorreram apenas dois votos no julgamento do TSE – interrompido por pedido de vista do ministro Tarcísio Vieira de Carvalho. Além de Fachin, Alexandre de Moraes também apresentou seu parecer, contrário ao relatório.

"Não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros, sem participação política e sem legítimos interesses, assim como têm todos os demais grupos que atuam na sociedade", afirmou Moraes.

A advogada constitucionalista Vera Chemim concorda com Moraes ao considerar desnecessária a criação de um dispositivo legal para enquadrar a religião. "Segundo o ministro, nós teríamos que criar também o abuso na área sindical e em qualquer outro tipo de entidade que possa influenciar o eleitor".

Moraes acredita que crimes eleitorais cometidos em locais religiosos já podem ser enquadrados na Lei Complementar 64 (relativo ao artigo 14 da Constituição Federal), segundo a qual qualquer partido político ou coligação poderá pedir à Justiça Eleitoral apuração do uso indevido, desvio ou abuso de poder econômico ou do poder de autoridade por outro candidato, ou a investigação de uma suposta utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social em benefício de uma candidatura ou de partidos políticos.

"É tudo uma questão de interpretação. Se há crimes, eles já têm como ser punidos", diz Vera Chemim. "Precisa ficar claro que todos os nossos direitos, não só individuais como coletivos, não são absolutos. Fazendo uma analogia: eu posso fazer o que quiser na minha casa, mas se eu agir de forma a perturbar a paz do vizinho, meu direito termina. Da mesma maneira, está se discutindo no TSE a liberdade individual e coletiva. As religiões podem praticar seus cultos, mas não se aceita que uma autoridade religiosa extrapole sua função e tente interferir na liberdade de escolha dos membros da denominação, por coação e violência".

Falta de elementos científicos

O advogado Acácio Miranda da Silva Filho, especializado em direito constitucional e eleitoral, diz que faltam elementos empíricos e científicos para se dizer que a defesa de um candidato por parte do pastor tem qualquer peso na escolha do voto dos fiéis.

Acácio Miranda conta ainda que a Justiça Eleitoral tem punido abusos ocorridos por meio da religião, em casos de delitos e coações comprovadas. "É óbvio que, como em todas as atividades, ocorrem esses exageros, mas não se pode por meio da lei impedir a liberdade de expressão. Todos temos direito de defender nossos votos".

Pela legislação atual, observa o advogado, um pastor e um padre podem defender um candidato desde que eles não criem constrangimentos ou situações nas quais o frequentador da igreja se veja obrigado a votar no mesmo nome imposto pelo líder religioso.

A legislação já pune campanhas custeadas por igrejas (doações de pesssoas jurídicas são vetadas) e proíbe comícios em templos, mas Fachin quer ir além. Quer impedir a simples menção a uma candidatura e a um candidato.

"Fachin detalha em seu relatório algumas situações que configurariam, segundo ele, o suposto abuso. Para ele, deveria ser proibido que o candidato fosse até o púlpito da igreja e fizesse menção expressa a sua candidatura, ou que o pastor pedisse voto para uma chapa específica. O ministro não considera irregular, no entanto, que o candidato suba ao palco sem pedir voto", explica Acácio Miranda.

Na opinião de Vera Chemim, Fachin estabeleceu regras frágeis para a conceituação do que seria o abuso religioso. "Há formas bastante sutis e subjetivas de defender um candidato. Proibir a participação dele em um culto ou a divulgação do número da candidatura é uma solução ruim".

"Acho uma defesa fraca [de Fachin] do ponto de vista jurídico, mas mais grave é que muitos juristas, com razão, vão interpretar essa sugestão como uma interferência do Poder Judiciário inoportuna no Poder Legislativo, que é a quem cabe redigir as leis", finaliza Vera Chemim.

A União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp) vai ao encontro dessa visão.

De acordo com nota de repúdio divulgada pela entidade (veja na íntegra abaixo), ao sugerir a mudança na lei, em um "esforço hermenêutico hercúleo", o ministro invade a competência do Legislativo pondo "em risco a estabilidade das instituições, haja vista a flagrante inobservância ao princípio da separação dos poderes" e "o princípio da reserva legal [art. 5º da Constituição], que preceitua que não há crime sem lei anterior que o defina, situação de extrema gravidade que não pode ser tolerada, sob pena de graves consequências à democracia".

Também em nota, a Frente Parlamentar Evangélica (FPE) e a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) afirmaram que não há margemlegal para que se fale a respeito de abuso de poder religioso. "Eventuais abusos que se utilizem da estrutura eclesiástica durante o período eleitoral devem encontrar enquadramento nas possibilidades listadas pela lei eleitoral, sob pena de representar afronta à segurança jurídica".

As associações também pedem que o TSE garanta "aos religiosos a possibilidade de ouvir instruções políticas, analisá-las e tomar decisões em conformidade com a sua cosmovisão".

A lei atual já pune abusos

O advogado paranaense Luiz Eduardo Peccinin, autor do livro "Discurso Religioso na Política Brasileira" e especialista em direito eleitoral, reforça que casos em que fica configurada a coação já são punidos pela Justiça brasileira.

"A novidade que traz o ministro Fachin é a criação da figura jurídica, que puniria discursos que se desviam da fé para defender uma candidatura".

Peccinin observa que o discurso na igreja a favor de um candidato não pode ser punido. "Agora, se em toda missa ou culto houver uma pressão clara direcionada aos eleitores e ficar configurada uma espécie de imposição ou uma promessa de recompensa que restrinja o direito de escolha dessas pessoas, aí sim haveria um delito, que a legislação atual já tenta conter".

Peccinin esclarece que a igreja é uma pessoa jurídica e desde a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.650, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015, empresas não podem doar recursos para campanhas políticas.

"A manifestação de apoio ou de pensamento não é ilegal. A lei veda o uso do púlpito como palanque e da igreja como comitê eleitoral, por assim dizer. Não se pode veicular propaganda de candidatos no pleito, por exemplo, mas é permitido, sim, sugerir o voto para este ou aquele nome".

Veja a nota da União dos Juristas Católicos de São Paulo:

Nós, representantes das associações de juristas e magistrados, zelosos pela preservação da ordem constitucional e do Estado Democrático de Direito no Brasil, desejosos de ver garantida a representatividade dos anseios do povo brasileiro nas instituições políticas, bem como a liberdade de consciência e de crença (art. 5º, VI, CF), MANIFESTAMOS nossa grande preocupação às declarações contidas no voto do Sr. Ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), relativo ao Recurso Especial Eleitoral que discute a cassação de mandato da vereadora Valdirene Tavares dos Santos (de Luziânia-GO), do qual o referido Ministro é relator no TSE.

No referido voto, apresentado no dia 25 de junho do corrente ano e elaborado a respeito da acusação de suposto abuso de poder religioso por parte da vereadora, que se teria reunido na catedral de uma denominação evangélica para pedir votos em 2016, o Ministro Edson Fachin propõe que, “a partir das Eleições deste ano de 2020, seja assentada a viabilidade do exame jurídico do abuso de poder de autoridade religiosa no âmbito das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aije)”.

Nesse contexto, expressamos nossa preocupação com a possibilidade que restou ventilada, no sentido de que o Egrégio Tribunal estaria em vias de criar um novo tipo de abuso de poder de autoridade não previsto na Constituição brasileira ou no tripé de regência do Direito Eleitoral brasileiro a saber: Código Eleitoral, Lei das Eleições e Lei Orgânica dos Partidos Políticos, em clara interpretação analógica indevida, em evidente “analogia in malam partem”, da locução “poder de autoridade” presente no art. 22 da LC 64/90, açambarcando “autoridade religiosa”. Além do esforço hermenêutico hercúleo para se extrair da legislação eleitoral o dito abuso do poder religioso, também, poder-se- ia se concluir em usurpação da competência legislativa em criar conceitos e tipos penais, que é exclusiva do Congresso Nacional, a exemplo do ocorrido recentemente no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26 (ADO 26), a qual determinou que atos de “homofobia e transfobia” devem ser enquadrados como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989).

Destarte, a usurpação de competência e os esforços hermenêuticos para extrair exegeses que claramente não se encontram no seio da legislação analisada, muitas vezes levada a efeito pelos Ministros do STF, tem posto em risco a estabilidade das instituições, haja vista a flagrante inobservância ao princípio da separação dos poderes, consagrado no artigo 2º de nossa Lei Maior e, por conseguinte, de sua independência e harmonia, bem como ao princípio da reserva legal (art. 5º, XXXIX, CF), que preceitua que não há crime sem lei anterior que o defina, situação de extrema gravidade que não pode ser tolerada, sob pena de graves consequências à democracia.

Respeitosamente,

União Brasileira de Juristas Católicos – Ubrajuc

União dos Juristas Católicos de Goiânia – Unijuc

Associação Nacional dos Magistrados Evangélicos – Anamel

Instituto Brasileiro de Direito e Religião – IBDR

União dos Juristas Católicos de São Paulo – Ujucasp

Instituto dos Juristas Cristãos do Brasil – IJCB

Valedoitaúnas/Informações R7



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