Coronel leva tropa à Igreja Universal e pede que PMs tenham religião
26 de junho de 2024Em reunião com centenas de PMs, comandante João Alves Cangerana Junior, do 11º CPA-M, defendeu necessidade de “honrar templos”
Foto: Arquivo Pessoal
Centenas de policiais militares (PMs) compareceram a um templo da Igreja Universal do Reino de Deus na zona leste de São Paulo, na manhã desta terça-feira (25), para uma reunião interna da corporação. A presença era obrigatória para “todo o efetivo” do 11º Comando de Policiamento de Área (CPA-M 11), que compreende o 8º e o 11º batalhões metropolitanos.
Na ordem de serviço que convocou a reunião, emitida no último dia 18/6, o coronel João Alves Cangerana Junior, comandante do 11º CPAM, disse que no encontro seriam “tratados assuntos exclusivamente de trabalho”. No entanto, durante a reunião, o próprio coronel defendeu a importância de que os policiais tenham uma religião e “honrem os templos”.
“Dentro dessa visão holística, eu entendo também que a gente deva professar alguma religião. Não por uma questão mística, até estamos em um templo, e a gente deve honrar os templos, mas sim a importância da religiosidade para a humanidade. A religião traz valores que são importantes e coadunam com os valores da Polícia Militar. Então, também considero importante a saúde espiritual”, afirmou o coronel Cangerana dentro de um templo no Brás, a poucos metros do famoso Templo de Salomão.
“O ser humano não é separado em caixinhas. ‘Ah, saúde física é uma coisa, saúde mental é outra, operacional é outra’. Não. O ser humano é integral. Saúde física, mental, espiritual, financeira, está tudo interligado”, disse ele.
A reunião, que durou mais de 2 horas e foi acompanhada pelo Metrópoles, se encerrou com a pregação do pastor Roni Negreiros, da Igreja Universal. Ele defendeu que, para ter bons relacionamentos, inclusive com colegas de trabalho e comandantes, é preciso ler a Bíblia.
“Para você ter um casamento perfeito, bons filhos, bons relacionamentos sociais, ter diálogo com a sociedade que você convive diariamente, colega de trabalho, comandante, esposa, filho, você precisa mudar a cabeça, mudar o racional, mudar os pensamentos. E isso se faz lendo a Bíblia. A Bíblia diz assim, e não é religião não, é a Bíblia, os pensamentos de Deus são mais altos e mais sábios do que os dos homens”, afirmou o pastor.
A pregação do pastor, que durou aproximadamente 4 minutos, ocorreu após o coronel João Cangerana avisar que, a partir daquele momento, não seria mais necessário que os policiais militares permanecessem no templo. A maioria, no entanto, continuou no local.
Os PMs assistiram ao “testemunho” de Roni Negreiro, que disse ser ex-policial militar e ter conseguido gerir sua vida de forma superior à capacidade humana após “entender” a presença de Deus. Ao fim de sua fala, o pastor foi aplaudido pelo auditório, que ainda permanecia relativamente cheio.
“Eu, pastor Roni Negreiros, servi à Polícia Militar de São Paulo, por 12 anos, e servi à do Maranhão por 18 anos. Sou pastor de polícia há 21 anos. Mas há 28 anos eu fiz isso. Eu entendi a presença de Deus. E eu consegui gerir a minha vida melhor do que minha própria capacidade humana. Eu peguei os pensamentos de Deus e coloquei dentro da minha cabeça. Estou fazendo isso há 28 anos. Só tenho bons resultados, policial. É meu testemunho para você”, disse ele.
“Reunião sem sentido”
Durante a maior parte da reunião, os policiais militares assistiram a palestras sobre saúde mental, saúde física, manutenção de viaturas, uniformes e até uso de câmeras corporais. As orientações foram genéricas e, segundo PMs presentes, não trouxeram nenhuma informação nova.
“Não tinha nenhuma necessidade dessa reunião, foi sem sentido. Tudo isso poderia ser passado em uma mensagem no WhatsApp. Não tem nada novo”, afirmou um PM que esteve na reunião, irritado com a demora. “É como se tivessem marcado essa reunião para trazer os policiais aqui no templo”, disse um ex-policial que esteve no local.
Folgas perdidas
Outra queixa feita pelos PMs é o fato de que muitos perderam seus dias de folga para comparecer à reunião. A ordem de serviço que convocou o evento disse que apenas os policiais que se encontram em afastamentos regulamentares não precisavam estar presentes.
Para os PMs, a obrigação viola o Decreto nº 52.054, de agosto de 2007, que regulamenta o horário de trabalho dos servidores e estabelece 36 horas contínuas de descanso.
“Como eles querem falar de saúde mental sendo que tem mike [gíria usada para se referir a policiais militares] que tá 12 horas virado do plantão e veio direto para essa reunião?”, questionou um PM.
Reuniões em igrejas
A realização de reuniões da Polícia Militar em igrejas não é novidade em São Paulo. O argumento é que as reuniões gerais dos comandos de policiamento de área reúnem uma quantidade de PMs que não cabe em um batalhão ou em um auditório comum.
No último dia 17, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou o pedido de uma indenização por danos morais feito por um policial militar católico de 43 anos. Ele entrou com uma ação contra o estado alegando que foi obrigado a participar de reuniões da PM em um templo da Igreja Universal. Segundo o processo, essas reuniões ocorreram durante a gestão do ex-governador João Doria.
Reportagem do portal UOL registrou um encontro de policiais militares em um templo da Igreja Universal em julho do ano passado.
O que diz a SSP
Procurada pelo Metrópoles, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou, por meio de nota, que “a Polícia Militar é uma instituição legalista e respeita a liberdade de consciência e de crença de todo o seu efetivo”.
“As dependências do imóvel foram cedidas sem custos à corporação para a apresentação do novo comandante do CPA/M-11. Na ocasião, também foram abordados temas relativos à saúde física e mental dos agentes, bem como as atividades regulares de policiamento”, completa.
Já a Igreja Universal afirmou, também por meio de nota, que cedeu o templo de forma “totalmente gratuita”, a pedido do 11º Comando de Policiamento Metropolitano de Área.
“A Universal sempre apoiou as forças policiais, como reconhecimento do seu enorme valor na sociedade. E o faz em cumprimento da lei, como prevê a Constituição Federal no seu artigo 144, onde declara que a sociedade tem responsabilidade com a segurança pública”, diz.
“Além disso, por meio do programa social UFP, a igreja presta, há mais de 6 anos, assistência espiritual, social e valorização humana aos integrantes das forças de segurança. Tal esforço inclui a cessão gratuita dos espaços da instituição para realização de eventos da Polícia Militar, sempre que solicitada e quando o local não está sendo utilizado para cultos e eventos da própria Universal”, complementa.
(Fonte: Metrópoles)