Consumo de vinho triplica e impulsiona marcas nacionais durante a crise
26 de maio de 2020Brasileiros consumiram 10,9% da bebida no primeiro trimestre de 2020, em comparação ao mesmo período do ano passado
A alta do dólar e o fechamento das fronteiras são um fator decisivo para a valorização do vinho brasileiro – Foto: Leo Martins/Agência O Globo
O consumo de vinho nas casas brasileiras cresceu nesses tempos de reclusão, mais precisamente, aumentou 10,9% no primeiro trimestre de 2020 se comparado ao mesmo período do ano passado, segundo dados da Ideal Consulting, empresa especializada em pesquisa de mercado neste setor.
Não faltam taças girando em fotos nas redes sociais. E quem lucra com isto são as vendas on-line, o e-commerce tem sido a grande alternativa para enfrentar a crise. A primeira quinzena de abril registrou um aumento de 36% no número de pedidos em relação à primeira quinzena de março, quando o fechamento do comércio ainda não havia sido decretado, segundo dados da plataforma Nuvemshop.
No período, foi registrado crescimento de 60% no número de novas lojas. As vendas on-line triplicaram de tamanho com a adesão de importadoras que não tinham a venda direta ao consumidor, como a Barrinhas, que se mobilizou para comercializar através das redes sociais e loja virtual.
E-commerce alavancou vendas das bebidas no país no primeiro trimestre do ano – Foto: Reprodução
"Temos efetuado muitas vendas e conseguido a cada dia novos clientes interessados na compra de kits de vinhos , montados por nós, as pessoas preferem os kits, que são temáticos, criamos um para o Dia dos Namorados. Aproveitamos para promover lives com bate-papo e degustação de nossos vinhos", diz a diretora Rosemary Moreira, da Barrinhas, uma das maiores na importação de vinhos portugueses, que faz 30 anos em 2020.
Assim que surgiu a pandemia, Ana Luísa Santos, da Asa Gourmet, estava viajando. Chegou e se deparou com os 800 restaurantes para os quais fornecia vinhos e azeites fechados. Em tempo recorde, ela percebeu que precisava mudar seu foco. E ele seria para venda para pessoas físicas.
"Em uma semana, a Asa Gourmet já havia transformado o site institucional em uma loja virtual, com entrega em 24 horas. Quem bebia antes da pandemia duas garrafas por semana passou a beber cinco, ou seja, mais que dobrou o consumo de vinho em casa. Os mais pedidos são aqueles até R$ 50 e os das promoções. Na compra de seis garrafas destes três portugueses - Xisto Preto (Douro), Intimista (Alentejo) e Testamento (Lisboa), a unidade sai a R$ 35", exemplifica Ana.
Outras importadoras também perceberam este aumento desde que as medidas de distanciamento social começaram a ser implementadas para conter a disseminação de Covid-19 no Brasil. Com 600 rótulos de 20 países na prateleira, a Casa Flora, que sempre focou no atendimento de restaurantes, hotéis e varejos, resolveu investir numa loja virtual, mas com cautela.
"Com essa pandemia, nossos clientes perceberam a necessidade de avançar a estratégia no canal eletrônico. Hoje, ele é realidade na aquisição de vinhos e existe uma tendência de crescimento. Isto aconteceu conosco também e estamos entendendo que, por conta de nosso extenso portfólio, possa fazer sentido avançarmos também nesse canal com uma segmentação inteligente para não gerar conflitos entre nossos canais", ressalta o sócio diretor Antonio Carvalhal Neto.
No período, foi registrado crescimento de 60% no número de novas lojas – Foto: Roberto Moreyra/Agência O Globo
Completando 50 anos em 2020, a importadora tem vendido mais e, a cada semana, lança promoções mediante demanda dos consumidores: "o vinho se mostra como a bebida mais democrática e com capacidade de fazer o melhor casamento com as refeições. E como estamos nesse momento fazendo mais refeições em nossas casas, naturalmente o consumidor se identificou".
Percebendo um bom nicho de mercado em relação ao serviço de entrega, a sommelier carioca Elaine Oliveira não pensou duas vezes e abriu sua própria loja on-line, a Amai Vinhos, com direito a um canal tira-dúvidas ao vivo.
"São 300 rótulos de 12 países (R$ 45 a R$ 2 mil), incluindo Eslovênia e Áustria, por exemplo, além de uma sommelier virtual que ajuda na escolha e até na harmonização de pratos e queijos", conta Elaine.
Vale tudo para atrair a atenção do cliente. Três grandes players do setor, Decanter, Evino e Wine estão fazendo bota-fora do seu estoque, com 70% dos seus vinhos custando entre R$ 50 e R$ 60. Geralmente, vinhos em final de estoque por troca de safra ou mudança de produtor, e que acabam sendo uma oportunidade para conhecer rótulos diferentes por preços bem atrativos. Tudo virtual.
A Evino, por exemplo, verificou aumento de 19% na quantidade de garrafas vendidas na comparação entre os meses de fevereiro e março do ano passado e de 2020. Segundo o e-commerce, o volume de pedidos cresceu 20%, com um incremento de 30%, entre fevereiro e março deste ano, das solicitações feitas por novos clientes em relação ao total.
A hora e a vez do vinho nacional
Para atrair clientes, empresas fazem "bota-fora" com promoções de até 70% – Foto: Roberto Moreyra/Agência O Globo
A alta do dólar e o fechamento das fronteiras são um fator decisivo para a valorização do vinho brasileiro. A Miolo comemorou um aumento de 62% nas vendas on-line durante o mês de abril, se comparado ao mesmo período do ano passado. A marca, que já atua há oito anos com loja virtual, vem intensificando ações para aumentar a representatividade do e-commerce. Medida decisiva para o momento.
"Acreditamos que as vendas on-line deverão seguir em alta nos próximos meses. Estamos trabalhando numa nova plataforma e na oferta de kits que atendam a demanda deste consumidor que está em casa, além de frete grátis em todo território nacional para compras acima de seis garrafas e rótulos a partir de R$ 25", informa Eduardo Lapenda, da Miolo.
Até os espumantes pegaram carona nesta onda. Uma das novidades da Serra Gaúcha - que já chegou com uma linha de cinco espumantes -, o rótulo Amitié, lançado ano passado pelas amigas Andreia Gentilini Milan, sommelier, e Juciane Casagrande, enóloga, registrou um aumento de aproximadamente 30%. E olha que nem é a melhor época para a turma das borbulhas.
"O que temos feito é instigar o consumidor, com ações de compra e ganha, sem mexer no preço", conta Juciane Casagrande. A linha, comercializada no Rio pela Wine Out, varia de R$ 39,90 a R$ 149,90.
A sommelier gaúcha Michelle Landgraf, da Divas do Vinho, informa que, até antes da pandemia, o percentual do faturamento dos vinhos no supermercado era de 1%, mas agora são 5%.
Empresas aproveitam para promover lives com bate-papo e degustação de vinhos – Foto: Divulgação
"Até dez dias atrás, a gente conseguiu verificar que algumas lojas conseguiram manter suas tabelas sem mexer. Mas alguns fornecedores aumentaram 30%. Hoje, temos um aumento de procura nos vinhos até R$ 40. Não quer dizer que os nacionais ficaram melhores, mas com o veto à entrada de vinhos importados, os nossos ganham mais espaço", explica.
Alguns produtores brasileiros conseguem vender direto para o consumidor, muitos com ajuda de lojas como a Cave Nacional, no Rio, que começou virtual e, só dois anos depois, ganhou forma física, onde só se encontra vinhos de pequenas e médias vinícolas do Brasil (R$ 41 a R$ 376), desde a Serra Gaúcha até o Sertão.
"Houve um aumento de mais de 300% nas vendas on-line. As pessoas passaram a consumir mais vinho em casa e não só aos finais de semana. A família cozinhando junta tem sido um momento íntimo, afetivo, e o vinho tem feito parte desses momentos", destaca o sócio Marcelo Rebouças, anunciando uma série de promoções que inclui um kit com uma seleção harmonizada de três rótulos.
Hábito saudável
Até os espumantes pegaram carona nesta onda, dominada pelos tintos – Foto: Bruno Kaiuca/Agência O Globo
Freud explica: "A tendência de isolar todas as fontes que causam desprazer do ego cria um puro ego de busca de prazer". Com base na psicanálise, compensamos o distanciamento criando outros prazeres.
"Em "O mal-estar na civilização", Freud diz que não é natural que a gente renuncie nossos desejos. Segundo ele, a droga é uma solda para obtenção deste prazer, o que, neste momento, diz sobre qualquer substância que altere o humor. Isto vale para o vinho, ele acalma e também é um prazer", comenta a psicanalista Lindinaura Canosa, da Sociedade de Psicanálise da Cidade do Rio de Janeiro (SPCRJ).
Em meio à pandemia do Coronavírus, em que o mundo passou a seguir regramentos de circulação de pessoas, gerando o distanciamento social, muitos costumes mudaram. Com restaurantes fechados, o consumo passou a ser um hábito ainda mais caseiro, uma prática que migrou da rua para a casa.
"Tem mais gente indo para a cozinha, o que leva a ter mais vinho em casa, para acompanhar todo o processo e ainda harmonizar com o prato", comenta o fotógrafo e enófilo Francisco Carneiro, o Chico Cineasta, do site Vinhos Pelo Mundo.
Beber é bom, e quase todo mundo gosta. Para a psicóloga Rita Almeida, uma das formas para lidar com situações de angustia e mal-estar é usando drogas: lícitas, ilícitas ou medicamentos.
"As substâncias presentes nas drogas podem nos dar alívio e prazer. Quem bebe vinho não bebe para se embriagar", diz.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) aprova, mas limita o consumo diário de vinho a uma ou duas taças diárias (tem polifenóis ajudam a combater doenças cardiovasculares). No mais, resta-nos beber moderadamente e manter a sanidade.
Valedoitaúnas