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Condomínio na Bahia tem prédios com nomes de empregadas domésticas

04 de maio de 2022

'Reconhecimento por tudo que passamos', diz trabalhadora que mora no Conjunto Habitacional 27 de abril, no bairro do Doron, em Salvador

Condomínio na Bahia tem prédios com nomes de empregadas domésticasCom nome alusivo ao Dia Nacional das Domésticas, condomínio abriga trabalhadoras com histórias semelhantes de lutas e resistência – Foto: João Souza/g1

O Conjunto Habitacional 27 de abril, no bairro do Doron, em Salvador, Bahia, é diferente de todos os outros da localidade: as donas dos 80 apartamentos são todas mulheres e trabalhadoras domésticas.

Como nome alusivo ao Dia Nacional das Domésticas, o condomínio é formado por quatro blocos. Cada prédio recebeu o nome de ex-diretoras fundadoras do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Estado da Bahia (Sindoméstico-BA). Maria José Alves, Maria das Graças e Teófila Nascimento foram homenageadas após a morte por causa da luta pelo direito das trabalhadoras no estado.

O nome do quarto prédio também homenageia uma trabalhadora doméstica, Lenira Carvalho. Essa, pernambucana, mas que teve atuação inspiradora para o movimento sindical na Bahia.

Condomínio na Bahia tem prédios com nomes de empregadas domésticasFormado por quatro blocos, cada prédio recebeu o nome de ex-diretoras fundadoras do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos – Foto: João Souza/g1

No condomínio, os relatos das moradoras sobre situações vividas no ambiente de trabalho são semelhantes. As lembranças são do passado marcado por humilhações e ameaças.

"Eu conheci a liberdade depois que a vizinha da minha patroa me ajudou a fugir, isso tem anos. Se não fosse por ela, hoje eu seria uma Madalena", conta a doméstica e cuidadora de idosos, Valdirene Boaventura, moradora do condomínio.

Madalena Santiago da Silva, citada pela doméstica, foi resgatada de uma situação análoga à escravidão, em 2021, após trabalhar 54 anos sem receber salário. A história da doméstica repercutiu após ela afirmar, durante entrevista à TV Bahia, que tem medo de pegar na mão de pessoas brancas

Após tantas situações que trouxeram decepções com o trabalho de doméstica, as moradoras do condomínio em Salvador contam que o momento de felicidade chegou em suas vidas quando conseguiram conquistar um lar seguro.

A construção do Conjunto Habitacional 27 de Abril foi concluída em 2012, através do Programa Casa da Gente, do governo estadual. O empreendimento é resultado de uma luta de sete anos do Sindoméstico-BA e foi, especialmente, destinado às trabalhadoras domésticas, com renda familiar de zero a três salários mínimos.

“Eu brinco que esse apartamento foi um pagamento, um reconhecimento por tudo que passamos. As histórias de todas as moradoras são bem semelhantes”, revela Valdirene Boaventura.

A seleção de beneficiárias dos apartamentos foi realizada pelo sindicato e obedeceu critérios como: trabalhadora com a carteira de trabalho assinada, moradora de aluguel ou na casa dos patrões.

Dos 80 apartamentos, 55 foram destinados a trabalhadoras domésticas cadastradas pelo Sindoméstico-BA e as outras 25 são mulheres cadastradas pela Conder, que também são domésticas profissionais.

Ainda antes da inauguração, em 2011, o projeto foi premiado com o Selo de Mérito da Associação Brasileira de Companhias e Agentes Públicos de Habitação (ABC), durante o Fórum Nacional de Habitação de Interesse Social, em Brasília (DF).

Condomínio na Bahia tem prédios com nomes de empregadas domésticasMaria do Carmo e Valdirene Boaventura moram no 27 de abril – Foto: João Souza/g1

Os apartamentos contam com dois quartos, cozinha, banheiro e área de serviço. Todos registrados nos nomes das mulheres.

“Algumas são casadas, moram com os maridos e filhos, mas todos os apartamentos são registrados nos nomes das mulheres”, conta a moradora e uma das representantes do sindicato, Maria do Carmo.

Laiara Oliveira não é doméstica, mas mora no apartamento da mãe, Valdete Oliveira Barbosa, de 59 anos. A dona do imóvel trabalhou por anos como doméstica e atualmente reside na Ilha de Itaparica, na Região Metropolitana de Salvador.

“Minha mãe começou novinha e trabalhou por anos. Ela parou após problemas na visão devido ao contato com muito vapor”, contou.

“Esse apartamento foi o pagamento por todo trabalho duro dela”, disse Laiara, enquanto escolhia e mostrava fotos da mãe.

Condomínio na Bahia tem prédios com nomes de empregadas domésticasMoradora mostra foto da mãe – Foto: João Souza/g1

Junto aos quatro prédios também há uma creche, um parque para crianças e estacionamento.

Valdirene Boaventura conta que a construção da creche foi a novidade que ela mais comemorou. No entanto, 10 anos após a inauguração, as atividades ainda não começaram por falta de documentações.

Condomínio na Bahia tem prédios com nomes de empregadas domésticasCreche ainda não foi inaugurada – Foto: João Souza/g1

De acordo com o sindicato, existem cerca de 25 crianças que moram no condomínio, com idades de creche. A categoria afirma que a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER) ainda não autorizou o funcionamento da unidade.

O g1 entrou em contato com a companhia para saber o motivo da demora da autorização para o funcionamento da creche, mas não recebeu respostas até a última atualização desta reportagem.

'Comia a sobra da família'

Condomínio na Bahia tem prédios com nomes de empregadas domésticasValdirene e Maria lutam pelo direito das domésticas – Foto: João Souza/g1

Projetos e expectativas marcaram a saída de Valdirene Boaventura da cidade de Camacan, no sul da Bahia, para Salvador. Para ela, deixar o município do interior baiano significaria uma nova vida de dedicação aos estudos e formação da família na capital baiana. No entanto, a realidade na nova cidade foi de uma rotina de humilhações, agressões e ameaças.

Valdirene ainda relembra o que a motivou deixar Camacan. Ela foi abusada sexualmente, quando criança, pelo marido da ex-patroa.

“Eu contei para ela [a patroa] e ela me bateu. Fui devolvida para a minha mãe, que não tinha condições de cuidar de mim e de meus irmãos”, disse a doméstica.

Condomínio na Bahia tem prédios com nomes de empregadas domésticasValdirene Boaventura é doméstica e cuidadora de idosos – Foto: João Souza/g1

A chegada em Salvador aconteceu anos depois. Já adolescente, ela foi mantida em cárcere privado após pedir voltar para Camacan. O motivo: descumprimento de promessas como pagamento de salário e matrícula em uma escola.

“Eu tive que fugir após um vacilo da minha patroa, passei por um buraco que tinha no estacionamento. O apartamento fica na Federação e toda vez que passo pelo Vale da Muriçoca eu falo que ali é o caminho da minha liberdade, foi por onde passei", relembra.

"Eu não posso dizer que eu apanhei, mas fui muito humilhada, ameaçada, trancada no quarto. O sindicato me ajudou muito, isso foi em 1996 e o processo foi arquivado", conta Valdirene.

A doméstica lembra que ainda foi colocada como a culpada durante a audiência.

“Eu ainda tive que ouvi a promotora falar: ‘Esse é o preço que paga quem quer ajudar essas meninas do interior’. Ela não queria me ajudar, ela me explorou, me enganou”, reforça.

Valedoitaúnas (g1)



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