Castração química de abusadores, proposta por Clarissa Garotinho na TV, é inconstitucional, apontam juristas
01 de setembro de 2022Caso eleita para o Senado, parlamentar não pode propor alteração nem mesmo por Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
Em propaganda de TV, a deputada federal Clarissa Garotinho (União) defende a castração química Reprodução
Levada à propaganda eleitoral na TV pela deputada Clarissa Garotinho (União), candidata ao Senado pelo Rio, a proposta de castração química de abusadores sexuais é considerada inconstitucional por criminalistas ouvidos pelo GLOBO. De olho no eleitorado ferrenhamente conservador e buscando colar sua imagem à do presidente Jair Bolsonaro, Clarissa passou a veicular propaganda com os dizeres "cadeia é pouco para estuprador e pedófilo". De acordo com advogados, a proposta fere cláusulas pétreas da Constituição Federal "por se tratar de uma pena degradante, de caráter perpétuo e violar o princípio da reinserção social". Por isso, não poderia ser levada à frente nem mesmo por Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Clarissa insiste que, caso eleita, vai defender a castração química no Congresso — chamada, no contexto médico, de "terapia antagonista da testosterona". A deputada defende que estupradores e pedófilos só deveriam ter acesso à progressão de pena caso consentissem ser submetidos a um tratamento à base de injeções para neutralizar a produção de hormônios masculinos. Especialistas argumentam que, além das questões legais, a castração química não impediria que outras formas de violência sexual fossem cometidas. Clarissa afirma que tem ouvido um clamor pelo tema nas ruas.
“O que viola a lei é o estupro, não uma proposta para neutralizar quem comete um crime desses. Defenderei esta prática, que já é aceita na Coréia do Sul, em alguns estados americanos, na Rússia, e em alguns lugares da França. Nas ruas, ouço homens e mulheres defendendo pena de morte para abusadores. Essa defesa é a defesa da mulher”, opina.
Especialistas contestam
Para o criminalista André Perecmanis, professor de Direito e Processo Penal na PUC-Rio, a proposta será considerada inconstitucional se for judicializada.
“A castração química viola três pilares do princípio da dignidade humana: é uma pena perpétua, degradante ao corpo das pessoas, e não contempla a possibilidade de reinserção social. Tem um bom uso eleitoreiro, já que mobiliza muitas pessoas que clamam por justiça, mas é mais uma proposta como a pena de morte ou a prisão perpétua: não cabe das brechas da Constituição Federal, disse André.
O criminalista Breno Melaragno também contesta a validade da proposta que, à luz da Constituição, é encarada como uma "pena cruel". Ele ressalta que o assunto é pacificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“Decisões anteriores do Supremo deixam claro que esta proposta fere cláusulas pétreas. O uso eleitoral será feito, pode levar algumas pessoas ao voto, mas não terá validade prática”, ressalta.
Apesar de ser veiculada no horário eleitoral, a proposta de castração química não deve ser motivo para que o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) retire a inserção do ar. Professor de Direito Eleitoral na Escola da Magistratura, Luiz Paulo Viveiros de Castro ressalta que uma propaganda eleitoral não pode ser tirada do ar sem que seja identificado um ataque direto a alguém.
“Não se pode retirar uma propagando do ar sem que tenha havido um ataque degradante. A retirada deve ser feita mediante representação. Propor uma ilegalidade não é suficiente”, diz o advogado.
Proposta de Bolsonaro
O discurso de Clarissa para vencer a corrida ao Senado se aproxima de uma das principais bandeiras de Bolsonaro, quando ainda era deputado. Em julho, o presidente compartilhou um vídeo e voltou a defender a castração química para estupradores. Em 2016, ainda como parlamentar, ele justificou no plenário da Câmara dos Deputados a medida como forma de proteger o público feminino. Em 2013, ele propôs o aumento da pena para crimes sexuais e a exigência de que o condenado concluísse tratamento químico como requisito para obtenção da progressão de regime. O projeto foi arquivado.
Valedoitaúnas (O GLOBO)