Casal mochileiro relata isolamento nas Filipinas: tranquilidade no caos
22 de abril de 2020Moradores de SP viajavam pelo mundo desde setembro e voltariam em 2021. Eles relatam acolhimento na ilha de Palawan e elogiam trabalho da Embaixada
Viven e Leandro começaram a viajar há sete meses e voltaram por conta da pandemia Viven Giampani e Leandro Teixeira – Foto: @sempre.que.da
Um casal de mochileiros brasileiros tem uma rara história de serenidade e acolhida ao longo de todo o processo de isolamento social e de repatriação por conta da pandemia do novo coronavírus. Vivien Giampani, de 31 anos, e Leandro Teixeira, de 37, chegaram das Filipinas há uma semana, interrompendo os planos de uma viagem que poderia terminar só no começo de 2021. Conseguiram passar, ao longo de sete meses, por Japão, Austrália, Malásia, Tailândia, Mianmar e Laos antes de chegar ao ponto de onde decidiram voltar ao Brasil.
O primeiro grande passo rumo ao sonho de viajar pelo mundo começou em julho do ano passado, quando deixaram seus empregos como gerentes de marketing em empresas multinacionais. Em agosto, foi a vez de devolver o apartamento alugado onde moravam e estocar o que tinham em um depósito. Em setembro, embarcaram.
Turismo abalado
Ao longo da jornada, foram percebendo, pouco a pouco, a evolução da pandemia, a mudança na forma de tratamento aos turistas chineses, a ausência deles em pontos turísticos da Ásia e Oceania, e sentindo o impacto das restrições impostas para conter a disseminação do vírus. “Antes, quando não era uma pandemia, já estávamos na Ásia. Como o chinês tem peso muito importante no turismo do sudeste asiático inteiro, ali o medo chegou muito rápido. Já em janeiro e a gente viu muita coisa mudando”, diz Leandro. “A gente via que o turismo estava realmente sofrendo um baque grande”, completa Vivien.
Perto dos festejos do Ano Novo chinês, em 25 de janeiro, já havia proibição de entrada nos países da região, tanto para chineses, quanto para quem havia passado pelo país. O casal também começou a perceber a xenofobia aumentando. Além dos bloqueios, comentários nas ruas e olhares discriminatórios a grupos de turistas. Como tinham visto para a China, em toda fronteira que cruzavam, precisavam contar todo o itinerário percorrido e provar com os carimbos nos passaportes para garantir que não haviam passado por lá.
Filipinas
O casal chegou às Filipinas no dia 24 de fevereiro. No dia 13, o presidente declarou que fecharia as fronteiras a partir do dia 15. O aeroporto seria fechado e cada governador avaliaria como agir dentro de seu território. O casal decidiu ficar no país, que ainda tinha poucos casos da doença e fazia um controle rígido da entrada de estrangeiros. Como o bloqueio inicialmente duraria um mês, a ideia era continuar ali e avaliar o que fazer no final deste período.
Escolheram viajar para a ilha de Palawan, onde ainda não havia registro de casos de covid-19. Ao chegar lá, pegaram uma van com destino a Port Barton. Ainda na van, passaram por um bloqueio, onde tiveram que, mais uma vez, explicar todo o trajeto que percorreram. Também tiveram que medir a temperatura, passar o telefone para as autoridades.
As medidas foram se intensificando aos poucos. No dia 18, só seria permitido sair dos hotéis para comprar comida. Restaurantes poderiam trabalhar apenas com entregas. Ir à praia estava proibido. A partir do dia 20, restaurantes fecharam de vez e apenas uma pessoa poderia deixar o hotel para comprar comida. “Era força armada na rua. Desde o dia 18, quanto estava começando a apertar [o isolamento], a gente já via Exército na rua. A partir do dia 20, quem descumprisse a lei, provavelmente seria preso”, diz Leandro.
Acolhimento
Únicos hóspedes da pousada, ele e Vivien foram acolhidos pela família proprietária. “Era a gente e a família, que decidiu passar a quarentena lá. Fomos muito bem tratados. O período em que ficamos lá na quarentena – foram mais de 25 dias sem poder sair –, a gente não tem nada a reclamar. Não nos sentimos confinados”, conta Leandro.
Vivien e Leandro, acima, com a família filipina que os acolheu no isolamento – Foto: Arquivo pessoal
“Pra gente foi um período de bastante tranquilidade no meio do caos”, afirma Vivien. “A gente foi muito bem tratado, muito bem recebido pela família e conseguia passar os dias bem tranquilo”, complementa. O casal diz que não sentia vontade de voltar. Por precaução, fizeram contatos com a Embaixada brasileira no país e com brasileiros que estava lá. Alguns deles relataram que não se sentiram tão à vontade nos hotéis e desejavam voltar para casa. “Não foi o nosso caso”, diz Leandro. “Nossa preocupação era ficar no radar da embaixada e ter um canal de contato”.
Em contato com os representantes do governo brasileiro, souberam que haveria uma operação de resgate. “Entre o começo do lockdown e a ideia da operação de resgate os casos cresceram bastante. O presidente anunciou que a quarentena seria estendida e lá realmente era uma quarentena bem forte, bem restrita. Quando a gente ficou sabendo que ia acontecer uma operação de resgate para levar embora 31 brasileiros para casa, conversamos e concluímos que o mais prudente era aproveitar essa oportunidade e voltar para o Brasil atá as coisas passarem”, explica Vivien.
O casal elogiou muito e disse ter se surpreendido com o trabalho da Embaixada, que coordenou a operação com as autoridades de Port Barton. Os representantes do governo brasileiro providenciaram para o grupo de brasileiros van até a capital da ilha, voo para Manilla, traslado para um hotel na cidade, hospedagem para o pernoite, traslado de volta ao aeroporto de manhã e voo de retorno a São Paulo. “Nossa experiência foi muito positiva porque ficamos um minuto nos sentindo perdidos, sem ter informação ou sem saber o que fazer. Foi tudo muito, muito bem coordenado. Foi realmente uma tranquilidade e nos passou uma segurança de que tudo tinha sido muito bem providenciado”, detalha Vivien.
Pausa
De volta ao Brasil, o casal conta que se sente privilegiado de poder estar o mais perto possível da família e de passar pelo período de isolamento social com estrutura e segurança. Porém, interromper a viagem dos sonhos antes da hora trouxe também um sentimento de frustração, que esperam passar em breve. Apaixonados por viajar, criaram o perfil @sempre.que.da no Instagram em 2017 para registrar os lugares por onde passavam mesmo antes da última aventura. E esperam retomar a jornada em breve. “Se puder a gente nem desfaz a mochila, deixa pronta esperando pra voltar”, diz Leandro.
Valedoitaúnas/Informações R7