Cármen Lúcia cassa decisão que permitia aplicação da ‘cura gay’
23 de janeiro de 2020A ministra defendeu que a decisão da 14ª Vara usurpava competência do STF – Foto: Jorge William/Agência O Globo
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, cassou uma decisão da 14ª Vara Federal do Distrito Federal que permitia a aplicação da ‘cura gay’ por psicólogos. A decisão é de dezembro e foi tomada após um grupo de profissionais entrar com uma ação popular contra resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que proibia a prática.
“Pelo exposto, na esteira da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal e nos termos da legislação vigente, julgo procedente a reclamação para cassar a decisão reclamada e determinar a baixa e o arquivamento da ação popular, prejudicado o agravo regimental interposto contra a decisão liminar” – diz o documento assinado pela ministra, que já havia suspendido a decisão da Vara Federal em abril.
Segundo Cármen Lúcia, a decisão da 14ª Vara usurpou competência do STF porque a ação popular pedia a declaração de inconstitucionalidade da resolução. A ministra defendeu que é papel do STF julgar esse tipo de ação.
“Como anotei, a jurisprudência deste Supremo Tribunal é firme no sentido de que o controle de constitucionalidade de leis pode ser levado a efeito em variadas ações, desde que tenha ela objeto concretamente formulado e não seja a declaração de inconstitucionalidade abstrata, genérica e com efeitos vinculantes e para todos o pedido formulado e a ser examinado e decidido judicialmente”.
A resolução e a decisão
A resolução do CFP data de 1999 e estabelece normas para a atuação de psicólogos em relação à orientação sexual. O documento colocava, por exemplo, que os psicólogos não poderiam praticar nenhuma ação que “favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas” e proibir os profissionais de colaborar com eventos ou serviços que “proponham tratamento e cura de homossexualidades”.
A ação popular queria a anulação da resolução. Os autores defendiam que o CFP impedia o livre exercício do desenvolvimento científico “pelos psicólogos do Brasil”. Segundo eles, a decisão do Conselho colocava os profissionais de "joelhos" ao impedir que atuassem na questão.
“Essa Resolução (...) uma afronta aos direitos da sociedade, do cidadão, do profissional da saúde, psicólogo, e contra a humanidade, uma vez que impede estudos científicos que possam trazer soluções ou formas que venham facilitar a compreensão sobre os comportamentos homoeróticos”.
Em setembro de 2017, ao analisar a ação popular, o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara Federal de Brasília, determinou que o CFP não deveria impedir “atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual”.
Em dezembro de 2017, ele recuou em parte de sua decisão, permitindo que psicólogos façam atendimentos a homossexuais insatisfeitos com a própria sexualidade, com o propósito de investigação científica, mas sem deixar expressa na decisão a possibilidade de atendimentos com a finalidade de “(re)orientação sexual”.
A decisão de Cármen Lúcia foi tomada em reclamação posterior feita pelo Conselho Federal de Psicologia. De acordo com o pedido do CFP, a partir da decisão do juiz da 14ª Vara Federal, o ordenamento jurídico brasileiros passou a admitir a homossexualidade como doença.
“A partir da prolatação da decisão reclamada, o ordenamento jurídico brasileiro passou a admitir, implicitamente, que a condição existencial da homossexualidade no Brasil, ao invés de constituir elemento intrínseco e constitutivo da dignidade da pessoa, retrocedeu no tempo, a fim de considerá-la uma patologia a ser supostamente tratada e curada através dos serviços de saúde, dentre os quais, a atuação de psicólogas e psicólogos”.
Além de julgar como usurpação de competência, a ministra também afirmou que os autores populares da ação não tinham legitimidade para propor uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI).
Valedoitaunas/Com informações Da Agência O GLOBO