Brasileiros vendem o pouco que têm para conseguir comprar comida
09 de julho de 2022Levantamentos mostram que quase metade da população já vendeu ao menos um bem que tinha em casa para pagar contas ou comprar algum item básico, como comida e remédios
"Eu só como uma vez. É só almoço, eu não janto. Só", emociona-se Edna – Foto: Reprodução
Com o aumento da pobreza e da insegurança alimentar no país, tem crescido o grupo de famílias que se veem na necessidade de vender o que têm para comprar comida.
A pandemia acabou com a pequena loja de produtos de limpeza que Marcos Inácio da Silva tinha aberto, e ainda levou a esposa dele, Isaura, que morreu de Covid em 2020. Ficaram o Marcos e os filhos gêmeos – hoje, com quatro anos de idade.
"Quando acordo, penso que não vou, sabe, nem conseguir. Quando eu olho para o lado, vejo eles e é isso que me fortifica, é isso que me dá mais vigor para chegar e continuar a batalhar”, conta o pintor desempregado.
Mas sem ter de onde tirar dinheiro, Marcos começou a vender coisas de casa: "O botijão, uma serra e uma parafusadeira. São instrumentos de obra, né? Para comprar pão, leite para eles, a mistura. Então, assim, a dificuldade que a gente encontra é essa. É de manter o dia, o agora".
Edna Barbosa Pereira perdeu o trabalho de empregada doméstica também no início da pandemia; conseguiu alguns bicos e mais nada. Aí começou a desmontar a própria casa. Primeiro, a máquina de lavar roupas.
"Tinha que pagar o aluguel, vendi a máquina. A primeira coisa foi a máquina. Aí da máquina, foi a geladeira. Da geladeira foi bujão", relembra.
Levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional indica que, quase metade das pessoas que se alimentam com menos do que deveriam ou que passam fome já tiveram que vender bens ou equipamentos de trabalho para suprir necessidades básicas – principalmente a alimentação. Os dados são deste ano.
E pesquisa feita em maio pelo Instituto Locomotiva mostra que 42% dos adultos brasileiros já venderam ao menos um bem que tinham em casa para pagar contas ou comprar algum item básico – como comida e remédios.
O pior da pandemia ficou para trás: a maioria da população está vacinada, a economia reabriu. Mas a fome está piorando, isso a gente vê nas ruas. E o que as pessoas têm pra vender para conseguir comprar comida, uma hora acaba.
O número de brasileiros que passam fome subiu de 19 milhões no fim de 2020 para 33 milhões no começo de 2022. Quem estuda o assunto alerta que esses brasileiros em situação de miséria não poderiam estar abandonados assim.
"A crise econômica trouxe junto com ela um desmonte dos aparatos de proteção social do Estado. Isso, na prática, leva com que esses brasileiros que, de alguma forma, podiam contar com algum tipo de auxílio, fiquem reféns da própria sorte", lamenta Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.
"Não é obrigação das pessoas se virarem para vender um bem para comprar o alimento. Isso é muito triste, isso é uma vergonha. É o direito humano à alimentação que está sendo violado junto com outros direitos humanos. A gente está olhando exatamente a inexistência de políticas sociais de combate à fome que não ocorreram", destaca Rosana Salles, nutricionista da UFRJ.
Ajuda a empregada doméstica Edna só recebe de uma vizinha, que também passa necessidade.
"Eu só como uma vez. É só almoço, eu não janto. Só", emociona-se.
Valedoitaúnas (g1)