Auxílio emergencial: o drama de quem precisa regularizar o CPF
26 de abril de 2020Sem êxito, filas na Receita Federal guardam indignação e lamentos de autônomos que estão em busca dos R$ 600 do governo
Thayná Schuquel/Metrópoles
Angustiados para ter acesso ao auxílio emergencial do governo, no valor de R$ 600, autônomos lotam a entrada de postos da Receita Federal na capital da república em busca de ajuda. Até este sábado (25/04), aproximadamente 10 milhões de inscritos para receber o benefício não haviam sido contemplados. O motivo, muitas vezes, é banal, e envolve situações como a regularização do Cadastro de Pessoa Física (CPF) – medida necessária para o recebimento.
Sem atender esse quesito, os trabalhadores deixam de receber a remuneração — alternativa em tempos que autônomos não conseguem trabalhar devido ao isolamento social. Além disso, essas pessoas se queixam da dificuldade em serem atendidos e terem os seus problemas solucionados nos postos da Receita. Com horário de funcionamento das 10h às 15h, o Metrópoles acompanhou ao longo de dois dias trabalhadores que não conseguiram resolver as suas pendências. Os principais problemas reportados são: atrasos no atendimento e necessidade de fazer múltiplas visitas ao órgão.
A Caixa Econômica Federal informou que, até sábado, creditou R$ 26,2 bilhões para 37,2 milhões de beneficiários do Auxílio Emergencial de R$ 600. Os dados foram contabilizados desde o dia 9 de abril, início do pagamento, até as 18h do sábado. No total, 47,7 milhões de pessoas concluíram o cadastro no site e no aplicativo do banco. Restam pouco mais de 10 milhões.
Veja o relato de alguns desses trabalhadores:
Múltiplas visitas
Pela segunda vez, o pedreiro Milton Pereira Cantingueiro (foto em destaque), 46 anos, vai à Receita para tentar resolver o problema do cadastro no sistema da Caixa. Segundo ele, uma mínima letra errada no sobrenome da mãe teria causado todo o impasse. Ele relata a angústia de ter que esperar por horas na fila e, mesmo assim, não encontrar a solução.
“Eles falam pra gente não vir aqui, mas aí vai pelo site e não conserta [o sobrenome]. Vem aqui e não adianta. Isso aí é só falcatrua. Eu já vim pela segunda vez e fizeram errado, mas é o único jeito. Vim aqui e expliquei. É só uma letra, um ‘N’ errado”, relatou.
Ele diz que, na pandemia, está sem renda e que não há outro jeito a não ser submeter-se à fila, mesmo que isso possa aumentar os riscos devido à proximidade física em tempos de pandemia.
“Estou esperando desde quando começou, vindo aqui nessa aglomeração. A gente tem que correr o risco. A gente fica agoniado. Vai nos Correios, eles mandam vir pra cá. Vou ver, né? Vou entrar no site e, se não resolver, vou vir aqui de novo, não tem o que fazer”, lamentou.
“Benefício faz falta”
Pelas orientações da Receita Federal, é necessário apenas que o cidadão acesse o site do órgão para resolver o problema. Lá, eles explicam o passo a passo como regularizar o CPF. Mas, na prática, essas pessoas relatam outras dificuldades que fogem ao roteiro.
É o caso de Antônio Neto Reis, 61, que, nessa quinta-feira (23/04), esperava ser chamado para o atendimento. Relatando ser um “recluso” e usando máscara de proteção, ele conta que o nome da mãe foi cadastrado errado e, agora, não consegue encontrar uma solução para receber os R$ 600.
“É muito difícil. A gente está sem renda e precisa se virar para pagar as contas. Esse dinheiro faz falta. Até agora, não consegui fazer o cadastro porque está dando problema no nome da minha mãe. Tentei resolver pelo site, mas não deu certo. Aí, resolvi vir aqui”, disse Antônio (foto abaixo).
Thayná Schuquel/Metrópoles
Viagem
A vendedora de artigos infantis Polínia Rocha, 34 (foto abaixo), teve que sair de Luziânia, em Goiás, e vir até Brasília para conseguir regularizar o CPF. No posto, na sexta-feira (24/04), ela contou que seu problema era inusitado: foi identificada pelo sexo masculino na época em que fez o documento, e, desde então, não consegue fazer nenhuma movimentação que envolva os dados cadastrais.
“Fiquei duas horas na estrada para chegar aqui. O posto mais próximo de Luziânia estava fechado. A gente gasta gasolina. Numa situação como a atual, que não está legal. Eu trabalho com vendas em casa, não tenho renda. Tenho um casal de filhos. Agora, tenho que enfrentar a fila e sei lá se vou conseguir resolver. É complicado”, desabafou. Ela não conseguiu resolver seu problema na sexta-feira (24/04). Foram solicitados novos documentos. Ela terá de pegar estrada novamente.
Thayná Schuquel/Metrópoles
Outro lado
A Receita foi procurada para se posicionar sobre as principais reclamações, como atrasos e a necessidade de realizar múltiplas idas até as agências para resolver esses problemas. Até a última edição desta reportagem, a autarquia não havia se posicionado. O espaço continua aberto.
Valedoitaúnas/Informações Metrópoles